A GEOGRAFIA DE PIERRE MONBEIG*
Clarice Cassab
Profa. do
Departamento de Geociências da UFJF
Geógrafo francês, Pierre Monbeig nasceu em 1908
tendo se formado em Letras (História e Geografia) na Université de Paris em 1927.
Durante sua formação universitária foi aluno de professores como De Martonne e
Albert Demangeon, esses fortemente influenciados pela geografia de Paul Vidal
de La Blache. Este importante geógrafo morreu em 1987 tendo deixando em sua
trajetória influências fundamentais para a história da Geografia, como um todo,
e a brasileira em particular.
Já formado, em 1935, foi convidado para assumir a
cadeira de Geografia Física e Humana, então ocupada pelo professor Pierre
Deffontaines, na recém criada Universidade de São Paulo, no Brasil. Em 1938,
deixou a cadeira de Geografia Física, para dedicar-se exclusivamente à
disciplina de Geografia Humana. Ainda em 1937, assumiu a presidência da
Associação de Geógrafos Brasileiros, cargo que ocupou até 1946.
Após seu regresso para a França, em 1947, Monbeig
defendeu seu doutorado, apresentando como tese principal o trabalho Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo, complementada
pela tese Crescimento da Cidade de São
Paulo. Ambas resultantes de seus anos no Brasil. Em 1950, já como doutor
tornou-se professor da Faculdade de Letras, assumindo a disciplina de Ensino de
Geografia Colonial.
Monbeig trouxe para o Brasil as contribuições da Geografia
francesa, então a matriz de pensamento mais influente. Seus alunos estudaram a Geografia
a partir das obras de autores franceses de grande expressão como os geógrafos Vidal
de La Blache, Albert Demangeon, Max Sorre e Emmanuel De Martonne, além de
historiadores como Lucien Febvre, Marc Block e André Sigfried.
Sua formação na Geografia
francesa influenciou fortemente sua prática, tanto no que concerne ao peso dado
à História para a explicação da realidade, quanto pela ênfase à descrição
detalhada da paisagem e dos homens, em especial da sociedade local, como
elemento fundamental para a análise geográfica. Método adotado também por Vidal
de La Blache em seu Quadro da Geografia
da França.
Para Pierre Monbeig cabia a
Geografia estudar a realidade como sendo uma totalidade complexa. É dessa premissa
que o autor extrai seu conceito de “complexo geográfico”, fortemente
influenciado pela idéia lablachiana da existência da complexidade e das
interrelações dos fenômenos que ocorrem na superfície da Terra.
Para Monbeig o geógrafo deve
compreender e explicar a realidade da mesma forma como se desmonta um mecanismo
com o intuito de ver todas as suas partes. Sempre, contudo, tomando cuidado com
a forma na qual as partes se ajustam, já que é ela que asseguraria o bom
funcionamento do mecanismo. Uma vez explicada é preciso compreendê-la através
da análise do conjunto dos diferentes elementos que compõem determinada
realidade. (MONBEIG, 1952).
Assim, nos dirá o mestre:
Uma
linha de estrada de ferro, por exemplo, não é somente o traçado da via, a
velocidade dos trens, nem a lista de cidades que ela dessela, nem o número de
viajantes e a tonelagem das diversas mercadorias que ela transporta. É tudo
isso junto, mais os capitais que asseguram seu funcionamento, as atividades que
ela suscita, as concorrências que ela sofre e outras coisas mais. O economista
limitar-se-ia ao estudo de alguns desses aspectos, o técnico a outros, o
especialista em questões demográficas a outros. O geógrafo os toma na sua
totalidade e os considera como um todo no qual todas as partes são solidárias
(MONBEIG, 1952).
Como reconhecer esses
complexos? O primeiro passo de seu método geográfico é o olhar sobre a
paisagem. Deve o geógrafo “saber olhar, e aí onde um olho não advertido vê
apenas linhas e cores, ele compreende a significação profunda, o valor humano
da paisagem” (MONBEIG, 1952). Contudo, Monbeig adverte que a paisagem não é
apenas aquilo que se pode ver mas também o que pode se sentir. Por essa razão,
o geógrafo não pode se restringir a mera descrição da paisagem se pretende
alcançar o complexo geográfico. Pois, como alerta Monbeig:
O
complexo se exprime antes de tudo na paisagem, a qual, formada una e indissociável
pelos elementos naturais e pelos trabalhos dos homens, é a representação
concreta do complexo geográfico. Por essa razão, o estudo da paisagem constitui
a essência da pesquisa geográfica. Mas é absolutamente indispensável que o geógrafo
não se limite a análise do cenário, à apreensão do concreto. A paisagem não
exterioriza todos os elementos constituintes do complexo. Nem sempre nela se
encontrarão expressos com clareza os modos de pensar, as estruturas
financeiras, que são, entretanto, parcelas apreciáveis do complexo geográfico.
Outro perigo – a limitação do campo de estudo à paisagem ameaça levar o
pesquisador ao recurso exclusivo da descrição. (...) A paisagem é o ponto de partida,
mas não um fim. Resulta do complexo geográfico, sem confundir-se com ele
(MONBEIG, 1957, p.11).
Assim, o estudo do complexo
geográfico não se esgota na descrição da paisagem. Compreender o complexo
geográfico significa avançar para além da paisagem, buscando identificar e
analisar a teia de interrelações que ocorrem entre os elementos físicos e
humanos nela expressos. Este é o segundo ponto do método geográfico do autor. (MONBEIG,
1952).
Esse foi, sem dúvida, o
esforço permanente de sua geografia. Esforço que ele imprimiu em todos os temas
de seus estudos. E no Brasil não foi diferente. Sua chegada à São Paulo
coincidiu com um período de grandes transformações no país quando da
transição do modelo de desenvolvimento agrário e rural para o modelo urbano e
industrial. Transformações que tinham, em grande medida, São Paulo como seu
epicentro.
Monbeig, com seu olhar atento, percebeu essas
mudanças. Transformações que se materializavam na paisagem do país impulsionadas
por processos como desmatamentos, criação de novas vilas e/ou crescimento de
antigas, crescimento e dinamização das cidades, chegada crescente de
imigrantes, desenvolvimento das indústrias, ampliação das ferrovias, criação de
novos centros urbanos e pelo crescimento econômico, além de mudanças políticas
e culturais.
São Paulo fervia, o Brasil fervia, e Monbeig não
deixou de perceber isso. De pronto, começou suas pesquisas sobre as zonas
pioneiras no Oeste do estado de São Paulo e Norte do Paraná alertando seus
alunos sobre a importância dos trabalhos de campo. Aziz Ab' Saber, ele mesmo um
de seus alunos, lembra que Monbeig advertia;
que toda
a teorização precoce acabava por ser repetitiva e infértil. Era necessário
iniciar-se por trabalhos analíticos sobre temas reais, percebidos no teatro geográfico
das atividades humanas, quer no mundo rural quer no urbano. Antes de se iniciar
nos trabalhos de campo e na percepção das relações entre os homens e a terra, e
os homens e a sociedade, era impossível teorizar (Ab`Saber, 1994).
Monbeig também é considerado
um dos pioneiros dos estudos de Geografia Urbana no Brasil. Diante da
constatação da quase inexistência de estudos da realidade urbana brasileira –
em franco processo de expansão, experimentado por Monbeig, morador daquela que
seria a futura metrópole do estado de São Paulo, e mais importante do país, o
geógrafo passará a ter no urbano um de seus campos de estudo.
Novamente é Ab´Saber (1994)
quem nos dirá:
a
medida em que foi tomando consciência sobre as cidades do interior paulista e
norte-paranaense — nascidas e crescidas ao saber do ciclo do café — Monbeig
incentivou alunos e ex-alunos a realizarem monografias sobre os núcleos urbanos
que melhor conheciam: ou, por terem neles nascido, ou porque neles
desenvolveram atividades de ensino. Dessa sua iniciativa, surgiram vários
estudos, mais tarde publicados em revistas, as mais diversas.
Seu artigo, O estudo geográfico das cidades, é
considerado o marco inicial da pesquisa em Geografia Urbana no Brasil. Originalmente
publicado em São Paulo, na Revista do Arquivo, em 1941, neste artigo Monbeig propõe
um método para a realização dos estudos sobre cidades, introduzindo no Brasil
conceitos hoje tão comuns à Geografia Urbana, tais como: sitio urbano, posição
geográfica e função urbana.
Totalmente afinado com o que
se produzia sobre os estudos urbanos no Brasil e no mundo, em O estudo geográfico das cidades, Monbeig
recorreu a autores da Escola de Chicago, como Park e Burgess, além de outros
autores como Preston James, Philipe Arbos, Pierre Deffontaines. Contudo, o
geógrafo francês buscou ir além, lançando as bases para a realização daquilo que
chamou de “monografias urbanas”.
O
estudo geográfico das cidades é o esforço do autor de
construir um caminho teórico-metodológico para os estudos urbanos no Brasil, até
então quase inexistentes. Assim, “essa espécie de guia da monografia urbana”
busca traçar o percurso para a produção de estudos sobre as cidades, sejam elas
grandes, médias ou pequenas. A “síntese urbana” apresentada por Monbeig neste
texto seminal refere-se à descrição e à análise das paisagens e fenômenos, ao
estudar de maneira integrada os componentes físicos e humanos da cidade.
Posteriormente, o autor
acrescentou um apêndice no qual discute novos pontos, incorpora outras
informações bibliográficas e apresenta novas indicações metodológicas. Este
texto e seu apêndice podem ser encontrados no site da biblioteca do IBGE, em
sua coleção digital. Vale a leitura!
Referências bibliográficas
AB'SABER, A. Pierre Monbeig: a herança intelectual de um
geógrafo. Revista de estudos
avançados, São Paulo, vol. 8, n° 22, p. 221-232, 1994.
MONBEIG,
Pierre. O estudo geográfico das cidades. Boletim
Geográfico, IBGE. ano 1, nº 7, p. 7-29, outubro de 1943.
_______.
Novos estudos de geografia humana
brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1957.
_______. Leçon
inaugurale 6 de novembre de 1952: Conservatoire National des Arts et
Métiers . In: THÉRY, Hervé; DROULERS, Martine. Pierre Monbeig un geographe
pionnier. Paris: CREDAL, 1991 (Collection Travaux et Mémoires de
‘IHEAL n 55).
*publicado em www.ufjf.br/revistageografia
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