30 de abr. de 2010

Resenha: Espaço e política

Espaço e política em Lefebvre
William Héctor Gómez Soto
                                               Doutor em Sociologia. Professor do Instituto de Sociologia e Política e do Mestrado em Ciências Sociais (UFPEL).

Resenha: LEFEBVRE, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

Nascido em 16 de junho de 1901, na comuna francesa de Hagetmau, no departamento de Landes, na França, Henri Lefebvre morreu em 29 de junho de 1991 pouco depois do seu nonagésimo aniversário. No fim da sua vida, Lefebvre nos surpreende ao se perguntar: “devo continuar o meu combate pela teoria? Por vezes, pergunto-me se não perdi o meu tempo”.
Para alguns podem parecer palavras desoladoras e inexplicáveis, mas elas expressam a consciência do fim do caminho, da sua obra concluída e as amarguras do trajeto espinhoso de uma luta praticamente solitária contra o dogmatismo. Para ele o marxismo devia ser superado dialeticamente, utilizando o próprio método de Marx.
Henri Lefebvre é um dos mais importantes marxistas contemporâneos e sua original contribuição para o pensamento social ainda está para ser devidamente reconhecida. Suas idéias têm sido escassamente difundidas no meio acadêmico brasileiro e em alguns casos sua obra tem sido objeto de leituras  reducionistas ou ainda esterilizadas eliminando o fundamental: a dialética como método de investigação e de análise. Muitas vezes alguns divulgadores o definem ora como sociólogo urbano, ora como filósofo e sociólogo rural. Portanto, no sentido inverso da sua crítica contundente à especialização do conhecimento e às ciências parcelares, mesmo assim seu pensamento tem influenciado geógrafos e especialistas urbanos, sociólogos, cientistas políticos, filósofos e críticos literários.
Da sua prolixa produção, apenas uma parte muito reduzida tem sido traduzida para o português. Esta obra que agora apresentamos é fruto do esforço de alguns estudiosos brasileiros que compreenderam a riqueza e a atualidade do pensamento de Lefebvre para explicar as contradições da sociedade brasileira.
Crítico incansável do dogmatismo de qualquer espécie Lefebvre adverte que a falência do marxismo anunciada por muitos, não teve efeitos consideráveis nem entre os “amigos” nem entre os “inimigos”, pelo contrário mostra simplesmente a enorme fecundidade do marxismo, mas também as transformações da sociedade moderna. O maior desafio, segundo Lefebvre, é inventar o novo, reunindo os elementos dispersos, superando o antigo.
A busca do conhecimento novo anima seu espírito inquieto. Sua crítica radical aos seguidores dogmáticos de Marx lhe custou a sua marginalização na esfera acadêmica e no campo da esquerda.  Henri Lefebvre produziu uma obra original. Dedicou toda a vida ao estudo do espaço, do cotidiano, do urbano, da  modernidade e do Estado. Descobriu novas contradições da sociedade moderna e, sobretudo conseguiu prolongar o marxismo, propondo novos conceitos e construindo um original ponto de observação para compreender os problemas sociais contemporâneos.
Espaço e política foi originalmente publicado na França no ano de 1972. Nele Lefebvre esboça sua teoria da produção do espaço, mas que desenvolve na sua obra posterior,  La production de l´espace (1975), infelizmente ainda sem tradução para o português. Na teoria da produção do espaço, Lefebvre estabelece as relações analíticas entre o urbano e a vida  cotidiana, sendo estes, ao mesmo tempo, produtos e produção do espaço. É precisamente aqui onde a originalidade do autor atinge sua maior força de expressão. Nessa análise, podemos encontrar ao mesmo tempo, a conservação e a superação do marxismo. Conservação do marxismo enquanto método e sua superação enquanto produto datado.
No centro da sua análise se encontra a idéia da re-produção das relações de sociais de produção. Um processo que ainda não foi objeto de um estudo global, talvez porque a reprodução das relações sociais de produção se realiza nas atividades mais indiferentes: na vida cotidiana, nos lazeres, no habitar, no habitat e na utilização do espaço.
Há em Lefebvre uma idéia essencial que supera a velha contradição entre as relações de produção e o desenvolvimento das forças produtivas. Uma idéia difundida pelos marxistas de diversos matizes. E que durante muito tempo fez parte dos programas dos partidos de esquerda. Hoje não aparece mais, pelo menos de forma explícita. Precisamente porque a revolução deixou de estar na agenda imediata. E porque a própria recuperação formidável do capitalismo, superando suas crises, afasta de vez (ou por enquanto) qualquer esperança na transformação radical da sociedade contemporânea ao menos nos moldes dos velhos lutadores de esquerda.
No seu famoso prólogo, Marx mostra que em um momento determinado, o desenvolvimento das forças produtivas conflitaria com as relações sociais de produção. Mais do que isso, as relações sociais capitalistas, baseadas na propriedade  privada dos meios de produção, se tornariam um obstáculo para o desenvolvimento das forças produtivas.
Assim, Marx anunciava o momento da revolução social. Lefebvre aponta para uma nova contradição. Entre por um lado, a fragmentação do espaço (para a venda e a troca) e a capacidade técnica e científica da produção do espaço social a escala planetária. A essa fragmentação do espaço, Lefebvre contrapõe o direito à cidade. Ele se apóia neste conceito para a construção de uma análise global, superando a falsa análise ou fragmentada. Lefebvre refere-se ao direito dos cidadãos e dos grupos por eles constituídos “de figurar sobre todas as redes e circuitos de comunicação, de informação, de trocas” (p. 31). E isto não depende de uma ideologia urbanística, muito menos de qualquer intervenção dos arquitetos. Pelo contrário, depende de uma qualidade que faz parte da essência do urbano: a centralidade. A realidade urbana não existe sem um centro “sem uma reunião de tudo o que pode nascer no espaço e nele ser produzido, sem encontro atual ou possível de todos os ‘objetos’ e ‘sujeitos’”. (p. 32). Em consequência, excluir do urbano classes, grupos e indivíduos significa excluí-los da civilização e da sociedade. O direito à cidade significa a rejeição ao afastamento da realidade urbana. Ao mesmo tempo, esse direito dos cidadãos anuncia a crise inevitável dos centros constituídos sobre a segregação “centros de riqueza, de poder, de informação, de conhecimento, que lançam para os espaços periféricos todos os que não participam dos privilégios políticos” (p. 32).
O direito à cidade representa o inverso da fragmentação do espaço, ou seja, a reconstituição da unidade espaço temporal, a reunião e o encontro. Essa unidade, que outros podem chamar de sujeito individual ou coletivo tem como finalidade a “segurança-felicidade”, tal e como Aristóteles define o sentido da polis.
Lefebvre deixa claro que o direto à cidade não implica uma “ciência do espaço” seja esta ecologia, geopolítica, planejamento, etc., mas o conhecimento de uma produção do espaço.
Da mesma forma que Marx substituiu a enumeração, a descrição e a contabilização dos objetos comum à ciência econômica pela análise crítica, Lefebvre chama a atenção para a necessidade de uma análise crítica da produção do espaço. Lefebvre, igual que Marx, eleva o conhecimento a um nível superior.
Este pequeno livro levará o leitor a um novo ponto de observação da problemática urbana. Lefebvre reconhece que o direto à cidade se situa no terreno do mediato, do  “utopiano”, só será possível com um grande crescimento da riqueza social, mas com profundas modificações nas relações sociais, assim “tal desenvolvimento supõe uma orientação do crescimento econômico, que não mais conteria em si sua ‘finalidade’, nem visaria mais a acumulação (exponencial) por si mesma, mas seria a ‘fins” superiores” (p. 34).
Para quem alerta sobre os altos custos que implicaria a realização do direito à cidade, Lefebvre afirma que os custos sociais (de ser possível contabilizá-los) resultante da sua negação são muito maiores. Uma das maiores preocupações de Lefebvre é construir um conhecimento do espaço à escala global. Ele constrói esse conhecimento a partir da crítica às descrições fragmentárias das ciências especializadas e parcelares.
O espaço pode ser estudado desde múltiplas abordagens e métodos. Pode se estudar o espaço como um biótipo como o denominam os biólogos e os ecologistas. Ou como um espaço percebido, ou seja, da percepção dos indivíduos, da família, da vizinhança. Ainda pode se elaborar uma semântica dos discursos sobre o espaço, ou uma semiologia do espaço. Rompendo com essas abordagens, Henri Lefebvre constrói sua teoria do espaço social.
O autor define a problemática do espaço a partir de um conjunto de questões parciais: “Qual é o estatuto teórico do espaço? Qual é a relação entre o espaço mental (percebido, concebido, representado) e o espaço social (construído, produzido, projetado, portanto, notadamente o espaço urbano), isto é, entre o espaço da representação e a representação do espaço?”.
De forma didática, Lefebvre levanta quatro hipóteses que fazem parte do pensamento contemporâneo sobre o espaço. Na primeira hipótese o espaço aparece de forma pura, excluindo as ideologias, separada de todo conteúdo, o espaço é a essência. Assim, a matemática e a filosofia restituem a essência do espaço. A objeção de Lefebvre que esta concepção pura do espaço elimina o tempo histórico. Por exemplo, alguns arquitetos se consideram os donos do espaço que concebem. Segundo Lefebvre “esse espaço é vazio e puro, lugar de números e proporções” (p. 43).
Na segunda hipótese o espaço social aparece como um produto da sociedade e depende principalmente da descrição empírica antes de qualquer teorização. O espaço é considerado resultado da divisão do trabalho, um produto histórico, o lugar que reúne os objetos produzidos, isto é, que cumpre uma função. Em conseqüência, o espaço é objetivo e objetivação do social e para conhecê-lo é necessário descrevê-lo. Para Lefebvre a maioria das descrições do espaço urbano se fundamenta nessa hipótese mal esclarecida e ainda mal confrontada com outras hipóteses teóricas.
A terceira hipótese considera o espaço como um meio, um instrumento, uma mediação. O espaço é um instrumento político controlável, do Estado, de uma classe dominante, ou dos tecnocratas, mas também realiza uma função, a da reprodução da força de trabalho pelo consumo.  “Pode-se dizer que ele (o espaço) é o meio e o modo, ao mesmo tempo, de uma organização do consumo no quadro da sociedade neocapitalista, isto é, da sociedade burocrática de consumo dirigido” (p. 46). Nesta hipótese, as cidades seriam somente unidades de consumo vinculadas às unidades de produção. Desta forma, a hipótese se restringe à reprodução dos meios de produção. Lefebvre mostra que esta hipótese corresponde ao capitalismo concorrencial do século XIX que buscava resolver o problema da reprodução material dos meios de produção e a criação de mercados. Neste caso o espaço era claramente funcional. Trata-se aqui da cidade tradicional. Lefebvre aponta para uma nova problemática do capitalismo: a re-produção das relações de produção, que não coincide com a reprodução dos meios de produção, mas que se realiza no cotidiano, través dos lazeres e da cultura, da escola e a universidade.
Esta é uma das principais contribuições de Lefebvre ao pensamento social contemporâneo. É o fio condutor dos seus estudos acerca da vida cotidiana e a modernidade. A quarta hipótese é a defendida por Lefebvre. O espaço não é um objeto, nem uma mercadoria, nem sequer um instrumento – disse Lefebvre. O espaço não é o lugar da produção de coisas, mas da reprodução das relações sociais. E essa reprodução inclui a do espaço urbano, dos espaços dos lazeres, dos espaços educativos, os espaços da cotidianidade.
Para Lefebvre esse processo de reprodução das relações sociais ocorre “sob um esquema relativo à  sociedade existente” cuja essência ele descreve como “conjunta-disjunta”,  dissociada”, mas mantendo uma unidade, a do poder, na fragmentação.
Então, para Lefebvre, o espaço tem um caráter paradoxal, ao mesmo homogêneo e desarticulado. Os espaços de lazeres são dissociados dos espaços do trabalho e a produção de coisas.  Dessa forma, os espaços de lazeres aparecem independentes dos espaços de trabalho, mas vinculados através do consumo organizado e do poder que os unifica e re-une.
Na análise do espaço, Lefebvre inclui o tempo como um elemento vital. O tempo é o bem supremo, a mercadoria por excelência. Se vende e se compra tempo. O tempo do lazer, do consumo, do trabalho, do percurso. Da mesma forma, o tempo aparece como homogêneo, manipulado e organizado, mas também como tempo deslocado,  separado, tempo “livre”, tempo de trabalho, tempo imposto. Em outras palavras, ao espaço e suas propriedades (conjunto e disjunto), também corresponde um tempo com essas mesmas propriedades.
Essa idéia de um tempo deslocado está em Marx. No capítulo d´O Capital, dedicado à fórmula trinitária o pensador alemão explica a sociedade burguesa a partir da conjunção-disjunção de seus elementos constituintes: o capital e o lucro; a propriedade do solo e suas rendas; e o trabalho e os salários.
Estes elementos aparecem separados. Cada um deles recebe uma fração do rendimento global. E a separação é ao mesmo tempo falsa e verdadeira. “É a ilusão da separação numa unidade, a da dominação, do poder econômico e político da burguesia”, afirma Lefebvre (p. 51).
Para Lefebvre e Marx, trata-se de uma ilusão, porque cada um dos elementos aparece como fonte da produção e da riqueza, mas somente a ação conjunta deles é que produz a riqueza. Assim se oculta o fato da riqueza social coincide com a mais-valia global. A ideologia coincide com a prática da separação na sociedade burguesa. Lefebvre se refere à ideologia de aceitar a dissociação e considerá-la real.
A perspectiva teórica de Lefebvre se pode sintetizar no novo conceito de produção do espaço. Nesta visão, o espaço não é considerado um dado a priori. E vai além da ótica de arquitetos e urbanistas. Ele mostra que, diferentemente do espaço absoluto do pensamento filosófico-matemático, existem contradições no espaço, mesmo que estas sejam mascaradas.
Essas contradições decorrem do caráter capitalista da prática social. Por um lado, o espaço é fragmentado e vendido em parcelas, e pelo outro, ocupado globalmente. Para lidar com essas contradições, a burguesia conta com um duplo poder sobre o espaço.  Em primeiro lugar, através da propriedade privada do solo e, em segundo lugar, pela ação e estratégia do próprio Estado, ou seja, da globalidade. No âmbito institucional essas contradições explodem entre os projetos e planos de ordenamento do espaço e os “projetos parciais dos mercadores de espaço” (p. 57).
Desta forma, Henri Lefebvre contesta a concepção que considera o espaço inocente, não político, isolado do contexto, como um dado, como um aspecto específico da organização social. Neste livro, ele constrói uma nova concepção do  espaço social. Porém, como ele mesmo adverte, “nenhum dos artigos reunidos neste volume pode ser lido sem considerar trabalhos publicados anteriormente sobre a vida cotidiana, sobre o espaço, sobre os diversos direitos (o direito à cidade, o direito à diferença), sobre a reprodução das relações (sociais) de produção” (p. 17).
Vale a pena ler detidamente este pequeno livro. Nele o leitor atento certamente encontrará uma poderosa e inovadora explicação da problemática urbana das sociedades contemporâneas.
Fonte: Pensamento Plural  |  Pelotas [03]: 179 – 185,  julho/dezembro 2008

25 de abr. de 2010

Entrevista com Milton Santos

Entrevista com o professor Milton Santos

Por: Marina Amaral, Sérgio Pinto de Almeida, Leo Gilson Ribeiro, Georges Bourdoukan, Roberto Freire, João Noro, Sérgio de Souza.
Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~imprimat/entrevista/milton-santos.htm
(Publicado na Revista Caros Amigos, Agosto de 1998, Número 17)


A placidez, a serenidade, a fala lenta e pausada, os gestos naturais, os silêncios, o sorriso permanente, a risada aberta e gostosa , tudo nele irradia humanidade. Estar ao seu lado traz a segurança de estar perto da sabedoria. Milton Santos é o retrato da própria frase que disse a certa altura da entrevista, referindo-se a outra pessoa: "Quem ensina, quem é professor, não tem ódio". Por isso, mesmo ao dizer coisas explosivas como as que deixou aqui registradas, ele não perde a ternura. E não pára de trabalhar, ensinando geografia na USP, fazendo conferências e estruturando um livro promissor: O mundo Pós-Globalização - O Período Popular da História.
Mestre Milton


Sérgio de Souza. - Professor, usualmente pedimos ao convidado que comece falando sobre sua origem, seu caminho inicial.
Milton Santos - Não tenho muita simpatia por essa forma de começar, primeiro por achar que é um pouco estilo americano (risos); segundo, porque obriga a gente ficar nu (risos); o que pode ser perigoso. Sou baiano, venho de uma família de professores do lado materno, meu avô e minha avó eram professores primários, mesmo antes da abolição. Do lado paterno, devem ter sido escravos, não sei muito bem, porque em minha casa me ensinaram a olhar mais para frente do que para trás. Meu pai também acabou sendo professor primário, de modo que nasci numa família que - antes da criação do que se chama hoje classe média - era uma família remediada, humilde mas não pobre, e que tentou me dar uma educação para mandar, para ser um homem que pudesse, dentro da sociedade existente na Bahia, conversar com todo mundo.

Sérgio Pinto de Almeida - Em Salvador?Milton Santos - Em Salvador. Que dizer, nasci no sertão, porque naquele tempo tinha que ir chegando devagar para a capital, nasci no sertão por acaso, porque estavam lá meus pais, ensinando em Brotas de Macaúbas. Aos oito anos terminei meu primário em casa, nunca segui uma escola primária. E, como para ir para o ginásio tinha de esperar dois anos, meus paus ficaram me ensinando álgebra, francês e boas maneiras. Aos dez anos fui ser aluno interno num colégio na capital da Bahia, naquele tempo havia talvez seis cidades que tinham ginásio em todo o Estado.

Leo Gilson Ribeiro - Internato religioso?
Milton Santos - Não, leigo, freqüentado por uma classe média. Daí, lá mesmo comecei a ensinar, antes de ir para a faculdade. Morei nesse colégio dez anos - quando terminei, continuei morando lá, ensinando, e fui para a faculdade de direito, da qual saí formado a exatamente cinqüenta anos, em 1948. Fui aluno forte em matemática, mas havia uma notícia generalizada de que a Escola Politécnica não tinha muito gosto em acolher negros, então fui aconselhado fortemente pela família - tinha um tio advogado - a estudar direito, e daí mudei para geografia, que comecei a ensinar desde os quinze anos.

Leo Gilson Ribeiro - O preconceito era tão forte assim a ponto de haver uma divisão de escola?Milton Santos - Havia essa idéia. Na realidade, alguns negros conseguiram entrar, mas havia a crença na sociedade baiana, na sociedade negra em particular, de que os obstáculos na Politécnica eram maiores. E, como eu ia estudar direito, deixei de lado a matemática, mas ela não me deixou, porque, quando a gente aprende bem alguma coisa, aquilo fica. E passei para a geografia, que acabou sendo a minha atividade central. Terminada a faculdade de direito, onde os meus professores, todos, de um lado empregavam os filhos e de outro nos diziam que não devíamos ser funcionários públicos porque era feio ser funcionário público, me levaram a acreditar nisso, e decidi fazer concurso para professor secundário. Naquele tempo, professor não era funcionário, não se comportava como funcionário, queria ser intelectual. Isso acabou, mas naquele tempo era assim. Ai fui ser professor secundário em Ilhéus, que era a cidade mais promissora...

Leo Glson Ribeiro - Cacau...
Milton Santos - Tinha o cacau, eu era melhor pago do que se tivesse na capital. Fiquei lá alguns anos, já escrevendo no jornal, porque o dono do A Tarde, o ministro Simões Filho, me havia descoberto, e me levou a ser correspondente do jornal em toda região do cacau, aí comecei a escrever. Pouco depois fui para Salvador, onde continuei ensinando no ginásio e comecei a ensinar na Universidade Católica, me preparando para entrar na Universidade Pública Federal, onde fiz concurso em 1960, depois de terminar meu doutorado em geografia, na França.

Leo Gilson Ribeiro - O que levou o senhor à geografia era mais o conhecimento físico da geografia, ou o sociológico?
Milton Santos - Sociológico. Desde menino, a noção de movimento me impressionava, ver as pessoas se movendo, as mercadorias se movendo. A noção de movimento de idéias veio depois, mas as das mercadorias, das coisas, das pessoas talvez tenha me levado para a geografia. Também um fato, e muito importante: no ginásio, o livro de texto era o Geografia Humana, de Josué de Castro. Era uma espécie de história contada através do uso do planeta pelo homem. Aquilo me impressionou. Eu tinha tido um professor muito importante, também, Oswaldo Imbassay, então a confluência de um professor importante, de um livro importante, as explicações do mundo, de como a sociedade se relacionava com o meio, a teoria do possibilismo, determinismo, tudo isso a gente aprendia no segundo, terceiro ano de ginásio. Era ao mesmo tempo um debate filosófico sobre o destino do homem, a presença do homem na Terra e o se destino, e a história do mundo se fazendo através da produção do espaço geográfico.

Leo Gilson Ribeiro - Mas havia também uma configuração ideológica, de como a sociedade estava estruturada do ponto de vista econômico, social?Milton Santos - O Josué imprimia isso, porque tomava partido claramente pela noção do possibilismo, quer dizer, o homem capaz de, frente ao meio, mostrar-se forte e modificá-lo. Toda a teoria de Josué, que nunca teve no Brasil um reconhecimento cabal, porque os geógrafos oficiais não gostavam muito dele. Outra coisa importante no Josué era o domínio da palavra, a elaboração do discurso, que é a forma de chegar mais adiante.

Roberto Freire - Isso tudo acabou...Milton Santos - Acabou, e a geografia aparecia em tudo isso. E aparecia juntamente com a filosofia, a Psicologia. Meu professor foi Herbert Parente Fortes, impressionante figura, grande professor, sobretudo porque não dava muita aula, e um grande professor não pode dar muita aula, tem de dar algumas aulas que marquem os seus alunos, era o caso dele. Então, toda essa confluência, história da filosofia, lógica, história da literatura, história das idéias e econômicas etc. que a gente aprendia antes de ir para a faculdade, isso constituiu um embasamento às humanidades de então, que, me levando para a faculdade de direito, me ajudaram no apego à geografia.

Georges Bourdoukan - O livro Geografia da Fome também o influenciou?
Milton Santos - Muito, Geografia da Fome, Geopolítica da Fome. Esse, vamos dizer assim, aprendizado da generosidade, que aparece em Josué de Castro, e essa vontade de oferecer uma interpretação não-conformista, isso cala no espírito do menino e do jovem, essa vontade de buscar outra coisa. Acho que ele teve sobre mim uma influência extremamente grande.

Leo Gilson Ribeiro - Era, digamos assim, precocemente uma visão terceiro-mundista?
Milton Santos - Claramente terceiro-mundista. E outra coisa que ele introduziu na literatura foi a idéia, a noção de consumo, que vai aparecer mais tarde com outras roupas. Ele dividia as pessoas em função de consumir ou não consumir comida, e que tipo de comida. Chegava até a dizer a diferença de quem comia trigo, quem comia milho... (risos) Acho que o Josué foi um gênio.

Sérgio Pinto de Almeida - Professor, a observação que o senhor fez, do jovem, o menino olhando o movimento das pessoas, das mercadorias, e depois essa riqueza da escola pública, que certamente não há mais, já não começa a surgir aí o seu interesse muito mais do que pela geografia, o movimento, a coisa técnica, mas pelo embate ideológico, com as leituras do Josué?
Milton Santos - (pausa) Quer dizer, parei um pouco porque é a reinterpretação do que nos aconteceu. As provocações são boas, porque às vezes a gente nem se deu conta de como as coisas nos aconteceram. Eu imaginava que a minha posição progressista, entre aspas, tivesse chegado muito mais tarde, agora estou vendo, pela sua pergunta, que não foi bem assim. Na faculdade da Bahia, como na maior parte das faculdades de direito, o ensino era extremamente conducente a uma aproximação liberal do mundo. Então acho que deve ter havido certo curto-circuito na ocasião, somando a aspectos biográficos. Quer dizer, quando criei a Associação de Estudantes Secundaristas Brasileiros na Bahia, os meus amigos do Partido Comunista se opuseram à minha eleição para presidente, o medo deles era que não seria conveniente que um negro fosse presidente de uma associação tão importante, porque ele iria ter dificuldade de discutir com as autoridades. (risos) E eu, menino, tolo e inexperiente, acabei perdendo a eleição. Possivelmente, isso teve um efeito, quer dizer, eu na faculdade de direito, cercado de gente da elite baiana, com vontade de triunfar, e aí vem um sujeito e diz: "Olhe, você não pode". Então o meu caminho para o progressismo oficial - lá dentro tinha essa formação -, possivelmente, fazendo essa análise agora, tenha tido esse esbarrão, essa coisa. E esse progressismo meu vai desabrochar quando vou para a França e descubro, lendo os jornais, que havia um mundo diferente daquele que eu lia nos jornais brasileiros, inclusive o meu mesmo.

Sérgio de Souza - Inclusive A Tarde.
Milton Santos - Inclusive A Tarde. Quer dizer, ir para a França, ler o El Monde, mesmo o Le Monde, e descobrir que o mundo era outra coisa, isso teve um papel muito grande.

Marina Amaral - Interessante, o senhor falou tanto do Josué de Castro, no Rio Grande do Sul os sem-terra têm uma escola de capacitação profissional dos jovens que se chama Escola Josué de Castro. Esse menino intelectual pouco mostrado para a minha geração é estudado por eles.Milton Santos - É que Josué morreu na hora errada. Ele morreu na França, no momento em a França estava preocupada em vender, em ampliar o comércio, os funerais deles foram muito acanhados, os franceses não queriam chocar o governo brasileiro, porque queriam vender, estavam chegando já à pré-globalização. E como o ensino hoje em grande parte não tem muita vocação para o começo das idéias, as origens dos conceitos, é muito mais pacotes do presente, então as gerações como a sua devem ter tido esse handicap desfavorável.

Georges Bourdoukan - As universidades não deveriam resgatar o trabalho do Josué de Castro, porque ele continua mais atual do nunca?Roberto Freire - E desconhecido, não é?
Milton Santos - Creio que sim. Mas as universidades, a cada dia que passa, têm a vocação do instantâneo. Os estudantes são conduzidos a uma atitude igualmente produtivista. Então esse regresso às fontes se torna difícil, mas não impossível, porque na juventude atual, de alguma forma, a gente sente uma curiosidade pelo passado.

Roberto Freire - O senhor trabalha com o Josué com seus alunos?
Milton Santos - Quando cai dentro da temática. O meu trabalho central hoje é de um lado tentar explicar o mundo, e fazê-lo a partir de uma vontade de afirmar a minha disciplina, que é geografia humana. A minha energia vai toda nessa direção, e os autores aparecem como nota infra-paginal.

Georges Bourdoukan - Dentro de suas explicações, o senhor poderia eleger os problemas principais do Brasil?Milton Santos - Como geógrafo, creio que o território brasileiro é o melhor observatório do que está se passando no país. Se olho o território nacional brasileiro hoje, vejo primeiro que é um território nacional mas da economia internacional. Quer dizer, o esforço de quem manda, no sentido de moldar o território - porque o território vai sendo sempre moldado por quem manda -, é no sentido de favorecer o trabalho dos atores da economia intencional. Não são apenas as multinacionais estrangeiras, mas todas as grandes firmas estrangeiras ou brasileiras, são elas que trazem para o território uma lógica globalizante. Na realidade, uma lógica globalitária, há mais do que globalização, há globalitarismo. Então, temos o território brasileiro trazendo esses nexos, que são cegos, e que criam uma ordem para tudo o mais. Desordem criada para as empresas não envolvidas, que são atingidas por ela, por essa entropia negativa dentro do território, que alcança toda a sociedade. Então, o território revela também a incapacidade de governo, quer dizer, a não-governabilidade do país, porque o Brasil é um país não-governado. Ao mesmo tempo em que o território revela que o governo, a política, se faz pelas grandes empresas. São as grandes empresas que fazem a política. Isso se vê no uso do território brasileiro.

Roberto Freire - O estático é nosso, o funcional é deles.
Milton Santos - Oferecemos mais que o estático, porque oferecemos aquilo que não pode - isso seria a segunda parte do meu discurso- ser objeto de redução. Que são os corpos, os nossos corpos como gente, que não são redutíveis. E o território que também é o nosso corpo, porque o território nos inclui. Então isso leva a uma fragmentação, o território brasileiro é fragmentado.

Georges Bourdoukan - É um novo tipo de feudalismo?
Milton Santos - Há um novo tipo de feudalismo, e de militarização do território ao mesmo tempo. Porque tem de obedecer, tem de fazer aquilo que manda o chamado mercado global. Vejam, por exemplo, as áreas agrícolas mais modernas, como o Estado de São Paulo, que funcionam segundo um regime militar, no sentido de ter de fazer aquilo que lhes é ordenado - ou dá ou desce, ordem unida -, seguindo o que é necessitado por essas ordem global. Digamos que a globalização dê n'água, como vai dar, como o interior de São Paulo vai reagir? Quais seriam os cenários? Uma enorme área vendendo suco de laranja, o que acontecerá?

Georges Bourdoukan - É monocultura isso? O Estado de São Paulo estaria repetindo o que fez o Nordeste no passado?
Milton Santos - Uma monocultura ligada a uma ordem global que não existia antes, muito mais constrangedora do que as ordens internacionais.

Sérgio de Souza - Seria programada agora?Milton Santos - Programada, é a primeira vez que a divisão do trabalho é programada, nunca foi antes. Isso é um problema, Então, quando a gente faz falar o território - que é um trabalho que creio que é o nosso, fazer falar o território, como os psicólogos fazem falar a alma, como o Darcy Ribeiro quis fazer falar o povo, como o Celso Furtado quis falar a economia -, o território também pode aparecer como uma voz. E, como do território não escapa nada, todas as pessoas estão nele, todas as empresas, não importa o tamanho, estão nele, todas as instituições também, então o território é um lugar privilegiado para interpretar o país. E uma boa parte dos brasileiros não se dá conta de que o país está cada vez mais sendo fragmentado, e numa fragmentação que não possibilita a reconstituição do todo. Porque o Estado nacional se omitiu, e o comando do território, naquilo que há de hegemônico, é entregue às grandes empresas. Então, a reconstituição do todo nacional, que os franceses chamam de lien social, a solidariedade, não existe mais no Brasil. Vejam a maneira como se discute a previdência social, desculpem usar esse argumento terrível, a forma como se trata os aposentados - há um contrato da nação, tenho de dizer isso porque sou velho (risos), há um contrato da nação que cada pessoa cumpriu a vida inteira, e no fim dizem a ela: "Esse contrato não vale mais". E isso é aceito! Então os diversos capítulos do que seria a solidariedade são bafoués, largados, e uma parte da sociedade aceita normal porque estamos "no caminho da modernidade, para ser primeiro mundo". Então, há uma fragmentação da sociedade, do território, junto com a governabilidade, que os prefeitos, sem saber muito que se trata disso, estão descobrindo lentamente, tanto que foram para Brasília reclamar. E foram recebidos por cachorros policiais, mas não pelo Presidente da República.

Sérgio de Souza - Um número espantoso.Milton Santos - Espantoso, mas é isso: com o território se fragmentando, a governabilidade se torna impossível. E aí a gente já entra na segunda parte, que é a esquizofrenia do território. O território brasileiro é esquizofrênico. Por quê? Porque de um lado, recebendo esses insumos de modernização globalitária, ele se fragmenta, se fragiliza. De outro lado, descobre que esse processo não lhe convém, e talvez lhe falte descobrir qual é a lógica mais geral que permite a produção de um discurso novo. Primeiro acadêmico, quando possível também de mídia, e depois o discurso político.

Leo Gilson Ribeiro - Pelo que o senhor está dizendo, voltamos a ser uma espécie de entreposto imenso, uma senzala, regida por uma pequena casa-grande em que na parte de cima estão os estrangeiros e na de baixo os testas-de-ferro brasileiros?
Milton Santos - Eu preferiria pô-lo juntos, na medida em que neste fim de século a economia é subordinada à política, as empresas fazem política, sem aquela velha distinção anglo-saxã entre policy e politics. A policy é como organizar a coisa para chegar a objetivos individuais. E a politics é algo mais geral, filosófico, englobante. Só que as empresas acabam fazendo política, porque a sua policy, a sua politiquinha particular, privatística, cega, envolve todas as outras áreas da vida social. As áreas todas são envolvidas por elas, então elas fazem politics. E o Estado - a política do Estado, que também há uma - é forte por se abster, essa abstenção é que o faz mais forte do que nunca, a serviço das empresas. E essas empresas nacionais que antigamente eram chamadas de testas-de-ferro são hoje muito mais importantes, porque o consenso no interior da nação resulta de um trabalho desses empresários brasileiros que estão de acordo com isso, para sobreviver. E com a vocação, que imagino que tenham, de ser também globais. Então, as grandes empresas, para exercer seu papel econômico, necessitam fazer política. É um dado do fim do século. Com essa globalização, elas fazem política através da produção da imagem, através da necessidade de estabelecimento de regras, normas - na medida em que a técnica tem um comando geral na vida produtiva, e a técnica, ela própria, já é uma norma, não é isso? A técnica é uma norma exigente de normas. Então as empresas precisam de normas.- falo de território, que é também normado - para que as empresas possam tirar um melhor proveito. Então, a política é a condição de realização da economia. E a razão pela qual a gente não pode tocar um esparadrapo na boca dos economistas, mas também não pode deixá-los falar sozinhos, porque eles conduzem o debate para um canto, o que não permite ver o funcionamento global.

Roberto Freire - O senhor usou a palavra esquizofrenização - na psiquiatria, o conceito de esquizofrenia é de divisão, o senhor coloca muito bem essa divisão, é mesmo um processo esquizofrênico do ponto de vista social.
Milton Santos - Mas tem outro lado, que os partidos ainda não foram capazes de descobrir: essa união que está despontando entre todos os excluídos de diversos níveis. Porque há o excluído do comércio, há o excluído da pequena indústria, quer dizer, na economia, na sociedade, na cultura.

Georges Bourdoukan - Qual poderia ser esse traço de unidade?
Milton Santos - Acho que é essa exclusão, que aparece no primeiro momento como provisória e que na verdade é definitiva, porque aparece como algo que tem remédio mas de fato não tem, exceto se houver uma mudança civilizatória. Acho que há muito o que caminhar. Mas já há uma...

Leo Gilson Ribeiro - Consciência...
Milton Santos - Não sei se uma consciência, mas já há uma percepção. E o caminho a fazer é passar da percepção à consciência.

Sérgio de Souza - É aí que entraria, por exemplo, o MST, que com organização própria, independente de um poder maior, está não só reivindicando, mas agindo? É uma mudança que estamos notando e que talvez surja na periferia, com esse movimento hip hop. Não sei se é espontâneo, mas parece que aí estaria a novidade. Como o senhor vê o MST?Milton Santos - Primeiro vejo como esse grito que a maior parte de nós não pode dar, não quer dar, que não nos convém dar. E creio que esse fim de século é dos paradoxos. Paradoxo é a contradição em estado puro, não é? Então, ao mesmo tempo em que o MST é criticado, ele é apreciado, pelo que contam as pesquisas.

Marina Amaral - As pesquisas de opinião mostram uma simpatia até entrar no saque, daí já não há mais simpatia.
Milton Santos - Porque nos dizem que o direito é para ser obedecido, quando na realidade ele é para ser discutido, pois o direito é o resultado de um equilíbrio provisório que se cristaliza - mas a sociedade continua dinâmica, então não se pode imaginar o direito assim imóvel como querem. São chavões. Como dizer, e se diz, e a própria esquerda fica calada: "Sindicato não pode fazer política".

Marina Amaral - É um absurdo dizer isso. A greve é política.
Milton Santos - A greve é política! Essa agora dos professores, o ministro disse, reclamando: "Está claro agora que a greve é política". (risos)

Georges Bourdoukan - Mas é que a palavra "política", hoje, políticos oficiais sujaram de tal maneira, que quando se fala "a coisa é política" pode parecer uma coisa mal-intencionada.Milton Santos - É que não são políticas. Não terminei a lista. A política é feita pelas grandes empresas. Os políticos não fazem política, o aparelho de Estado não faz política, são porta-vozes. O povo faz política, os pobres é que fazem política. Porque conversam, porque conversando eles defrontam o mundo, e buscam interpretar o mundo. E agem, quando podem, em função do mundo. Creio que essa é a questão do MST. O outro aspecto é que a organização é importante, e a desorganização também. A organização conduz obrigatoriamente a palavra de ordem, a certa necessidade imposta. Tem de ter as duas coisas. E, para voltar ao que o Sérgio sugeriu, o que as periferias revelam é um pouco isso. Só que não estamos preparados para entender, porque nosso aparelho cognitivo...

Roberto Freire - Está preparado para entender a forma tradicional, que está na mão dos poderes.
Milton Santos - Está na mão nossa também, da universidade, da faculdade. A gente quer repetir a interpretação do Brasil através do que aprendeu na Europa e nos Estados Unidos com a classe média, porque pobres não havia. Na Europa em que essa geração estudou quase não tinha pobre, e a classe média era defensora da democracia e do seu aperfeiçoamento. Tanto que houve a expansão da social-democracia, que era uma forma de aperfeiçoamento da democracia. E os pobres são tratados por nós, que aprendemos a epistemologia européia na universidade, como o chantilly no bolo. A gente faz a construção, depois coloca o pobre em cima. Partidos de esquerda também fazem isso. Quer dizer, a construção toda é de classe média, e depois os pobres são colados lá em cima, porque resta aquela idéia de que a classe média queria defender os princípios fundamentais da humanidade e que os pobres, coitados, não têm nenhuma possibilidade de ser visionários, porque estão no dia-a-dia, "vivendo da mão para a boca". O dia-a-dia era considerado pela antropologia e sociologia oficiais como algo que impedia qualquer vocação para o futuro. Quando é o contrário, porque quando tenho todos os dias que renovar o meu estoque de impressões, de conhecimentos, de luta, que é o que o povo faz, sou obrigado a renovar também a minha filosófica, vamos dizer assim. Quer dizer todos os dias o povo se renova, e num país como o Brasil, essa urbanização tão galopante, tão rápida, essa mudança de lugar (reivindico o assunto para a minha área) tem um papel extraordinário na produção desse outro homem, já não tão seguro, ainda que ao mesmo tempo lhe ensinem que o consumo é bom, e o façam crer que ele vai poder consumir. Há o bombardeio da informação, a tirania da informação, que é um dos esteios centrais da globalização. Nunca foi assim. E essa tirania da informação, essa ditadura da informação...

Sérgio de Souza - Da má informação, digamos, ou da informação em geral? Porque a informação não pode ser má.
Milton Santos - Esta é minoritária. A própria universidade faz parte desse processo, porque ela legitima, ela santifica aquela informação doentia...

Roberto Freire - Deformada...Milton Santos - Deformada, mas que é geral.

Sérgio de Souza - O senhor seria uma exceção.Milton Santos - Acho que há muitas.

Sérgio de Souza - Mas são minoria também dentro da universidade.
Milton Santos - Claro. Porque deve ter muita gente que não é conhecida, mas como saem dali as idéias? A gente já escreve numa língua própria, que é o facultês, e às vezes escreve numa língua ainda mais restrita, que é o coleguês. A gente escreve para ser apreciado pelo colega que vai nos julgar, que vai nos dar promoção. Isso é uma prisão muito forte.

Roberto Freire - O carreirismo, a necessidade de se manter protegido dentro da universidade. Se a pessoa sai muito, acaba sendo criticada. O senhor não recebe críticas?Milton Santos - Essa coisa civilizada da vida acadêmica tem uma grande dose de hipocrisia, às vezes a gente nem sabe da crítica, nem tampouco vai se preocupar com isso, porque a decisão de dizer o que pensa já inclui a possibilidade da crítica.

Roberto Freire - Mas o senhor pensa, diz o que pensa, e incomoda as pessoas.
Milton Santos - O papel do intelectual é esse.

Sérgio Pinto de Almeida - Professor, a sua obra, a sua produção; e nós, que estamos fazendo uma revista cuja tiragem perto da Veja é ínfima, são coisas tão pequenas comparadas à avalanche em contrário, me dá a sensação de um deserto onde pipocam alguns pontos. Claro, são importantes e tal, mas me dá a impressão de que no futuro vão consultar e dizer: "Um dia teve um professor que falou aquilo, teve uma revista que publicou tal coisa....". Dá a sensação de que é tão avassalador o globalitarismo, são tão avassaladoras as teorias neoliberais, a reengenharia e todos esses termos que surgiram, que a gente fica: "Tudo bem, vamos continuar".
Milton Santos - Vou discordar da sua opinião. Não é assim. Ao contrário. Primeiro, que as idéias germinativas sempre foram corajosamente sustentadas por poucos. Segundo, que há uma grande demanda dessas idéias. Não gosto de dizer, parece vaidade, mas é uma informação: todos os dias sou convidado a falar aqui, ali, acolá, em todo lugar do Brasil. E como eu, vários outros. Quer dizer, há uma demanda disso e, na realidade, a ausência da grande mídia não é um problema, porque há consciência de que o trabalho tem de passar por um grupo pequeno de pessoas nesta fase. Aí eu entraria noutra coisa, que é a ditadura da informação, e informação criadora de mitos e de símbolos que são a base da globalização. Ela é fundada num sistema mitológico. Isso é menos visível porque as próprias coisas são portadoras da ideologia de hoje. A gente é cercado na vida cotidiana por esses portadores de ideologia que são as coisas: o dinheiro, como a coisa que compra as outras coisas; o Real, que é mitológico e sobre o qual os partidos ainda não conseguiram encontrar um sistema de discussão. Porque não produziram um sistema. Agora, o que acontece? A sociedade tem um movimento. O símbolo não, o símbolo é estático. E o movimento da sociedade desprende o mito, desprende o símbolo. Tanto que os outdoors são mudados com o propósito de recriar a propaganda eficaz. Então, há um limite à vida dessas ideologias, e será que esse limite está chegando? Qual é o limite do Real? Qual é o limite, por exemplo, do cálculo da inflação? A classe média vive do crédito. Ela deve, todos devem. Todos devemos. A gente paga. O custo do dinheiro é o custo da inflação oficial? Outra coisa, a cesta básica. Vivem falando dela. Mas e os desejos? Sou chamado a ter mais desejos, pela publicidade incessante. Mais coisas foram criadas para me serem oferecidas. E a cesta básica fica imóvel. O resto, não. Então, haveria que produzir outros discursos para apressar o limite da saturação do sistema ideológico que está por trás da globalização e do sucesso dos governos globalitários. Só que os partidos partem da análise dos economistas.

Marina Amaral - Professor, de que maneira os objetos contêm essa ideologia de que o senhor fala?
Milton Santos - Vamos começar do começo. Quando eu era maduro... (risos) a gente lia muitas coisas da literatura marxista soviética - porque era mais barata, não é? (risos) -, então tinha o bem e o erro, a verdade e a mentira. A verdade e a ideologia. Mas a ideologia também é "verdadeira", ela produz coisas que existem, que são os objetos. Esse é um primeiro ponto de partida. Um outro ponto de partida é o seguinte: a produção de idéias precede a produção das coisas, hoje. Não era assim há cinqüenta anos. Com a cientifização da produção, com a cientifização da técnica, tudo o que é produzido é precedido de uma idéia... científica. É por isso que a publicidade também precede a produção material. Quer dizer, antes de jogar um produto, faço a propaganda dele. O remédio é um exemplo, 1 por cento de matéria e 99 por cento de propaganda. Então tudo é feito assim, e a produção da política também. A política cientificamente feita, como agora, é precedida pelos marqueteiros. Então, tudo no mundo de hoje tem essa produção ideológica, ou de idéias - para ser neutro - que precedem. Por conseguinte, há um mercado de idéias que antecipa a produção de tudo, pelo menos do que é hegemônico. E o consumo é o grande portador de tudo isso. Por isso, ele é o grande fundamentalismo hoje. Não é o do Kohmeini o grande fundamentalismo, é o do consumo, porque é portador do meu impulso para essa forma de vida, que acaba me transformando numa coisa, num objeto.

Marina Amaral - E de que maneira a sociedade resistiria a esse processo?
Milton Santos - Creio que a resistência vem de dois lados. De um lado - tomo isso de Sartre e deve estar em outros autores também - a questão da escassez. A escassez, o fato de eu não poder alcançar essas coisas e a repetição dessa sensação de falta me convocam a perguntar: "Mas por quê?" E num segundo momento busco entender. Esse atendimento será tanto mais rápido quando houver a produção, por nós, de sistemas de explicação.

Georges Bourdoukan - Professor, estamos num ano eleitoral, e o governo lança uma nova moeda, dourada etc. Pelo que o senhor falou, devo entender esse gesto como uma propaganda eleitoreira, para lembrar que o Real existe de fato, que é concreto, o governo está usando esse símbolo, certo?
Milton Santos - Sim. Esses objetos que são exatamente portadores de uma ideologia. É típico de nossa época. Durante a história, o homem tinha comando sobre os objetos. Eram poucos, na minha própria infância e juventude eram poucos objetos, e eu os comandava. Hoje, são eles que me comandam. E a gente acaba sendo perseguido pelos objetos, você tem fax em casa, e-mail, é um inferno... (risos)

Marina Amaral - A questão seria a recusa ao consumo ou a reivindicação coletiva pelo direito de consumir tudo?Milton Santos - Acho que há uma contradição entre a produção do consumidor e do cidadão, a idéia de cidadania é ligada à idéia de indivíduo forte. E a idéia de consumidor ligada à de indivíduo débil. Objeto forte, indivíduo fraco, débil. E às vezes debilóide. (risos) Essa contradição às vezes nos parece difícil de ser superada, a gente tem a impressão que está chegando a um mundo onde uma reversão se torna impossível. Mas não é isso, não creio que seja isso. A gente vê aqui e ali esses movimentos...

Sérgio Souza - Que papel a religião teria num quadro novo, ou está tentando no atual?
Milton Santos - A religião tem um papel globalitário, globalizante. A gente que manda está usando a própria religião para encobrir uma porção de coisas. Então, há um processo deliberado de difusão de religiões, seitas, que são destinadas a amparar o processo de globalização. E são muito fortes, a gente vê, Tem um outro lado, que é o lado de fazer descobrir que a filosofia, o pensamento, não é algo apenas europeu e ocidental. Essa invasão de palavras orientais e outras tem um papel importante também. Uma coisa que andei querendo trabalhar, mas que não avancei muito ainda, é que há uma evolução por cima e por baixo, que vai continuar durante um tempo, porque a impressão que tenho é que a nova globalização, essa que queremos, e que vai chegar, ela vai partir de soluções particulares, de explosões que não vão se dar ao mesmo tempo. E o que a gente chamaria de cultura, para unir tudo isso, vai ter um papel muito forte. Quer dizer, essa coisa do Japão, já que se fala da crise japonesa, é a crise da globalização, não é a crise japonesa. E tem muito haver com a cultura do Japão que recusa a aceitar a globalização tal como ela é. A maior parte do Brasil, como população, como território, não aceita a globalização. O que falta é propor uma outra globalização. Esta havendo até agora uma certa insistência nesse processo de cima para baixo. Haverá também um processo de baixo para cima, que coincide um pouco com o que já vem acontecendo. E aí essas crenças vinda da ingenuidade popular. Ingenuidade tem que ver com criatividade. Ingenuidade e engenho são vizinhos.. Porque o que vem de cima não tem engenhosidade, por ser uma regra indiscutível, mas chamam isso de "flexibilidade". E a gente repete - a "flexibilidade", quando a economia dominante não flexível, porque só há uma forma de fazer! Ou faz daquela forma ou cai fora. Os economistas do PT repetem: "flexibilização", quando isso não existe. Quer dizer, nosso próprio discurso é inadequado para a gente se opor à globalização. Voltando a religião - ela é produtora de discursos, tem esse papel, quer dizer, é também produtora de palavras de ordem.

Roberto Freire - Sintetizando, seria uma globalização via econômica esta que está aí, e a outra cultural. A palavra seria cultural?Milton Santos - Eu diria via gente, povo. Por exemplo havia um projeto de controle demográfico, aí mandaram pílula anticoncepcional para diminuir a população, mas o projeto foi contrariado, porque foi todo mundo para a cidade! E o fato é que empobreceram a população, no caso do Brasil. A urbanização se deu de forma tão concentrada que cria condição territorial e política de mudança. Não tem jeito. Tem povo pobre demais, está bom do ponto de vista histórico. Se fosse todo mundo classe média, a mudança iria ser lenta.

Georges Bourdoukan - Professor, qual seria a solução para a seca do Nordeste?Milton Santos - Sobre a seca fiz recentemente um artigo para Carta Capital. A discussão é que, primeiro, a questão é social, e não natural. Aí, outra vez Josué de Castro primeiro, e depois Celso Furtado. Ambos levantaram essa questão, que não é questão da natureza, é questão da sociedade, uma questão política. Num mundo globalizado, o governo está preocupado com as áreas que respondem à globalização e não como antes, com a unidade nacional. Então, a fragmentação do território também se revela aí, na seca, e há pouca vontade de voltar atrás, senão se buscaria uma solução nacional para a questão.

Marina Amaral - Solução nacional em termos técnicos mesmo, de fazer obra?
Milton Santos
- A técnica vem depois, sempre. Os técnicos são pessoas subalternas, é o político que tem de decidir. É a idéia de nação que precisa prevalecer. Isso é central, ver o que deverá ser feito a partir de uma dada idéia de nação. Com isso não existe, quando há muita crítica eles mandam remédios provisórios e tudo o mais. Agora, o Nordeste vai reagir com grande brutalidade à brutalidade da globalização. Como a região é atrasada, o impacto vai ser muito forte, as cidades vão ficar cheias de gente, lá em cima e aqui em baixo também, e os conflitos vão ser muito grandes. É a minha visão do que vai acontecer no Nordeste, quer dizer, a globalização vai ser muito brutal e o esvaziamento do campo também, nos próximos dez anos.

Marina Amaral - Falando em território, é melhor manter a população no campo ou não dá para fazer isso?
Milton Santos - Por que vou condenar as pessoas a ficar no campo?

Marina Amaral - Por exemplo, o MST acha que a saída seria as pessoas ficarem no campo.
Milton Santos - É complicado, porque o Brasil é muito grande. Creio que tem duas coisas. Primeiro, mesmo a globalização com sua brutalidade não vai levar o país a mudar todo da mesma forma. As mudanças serão mais lentas em certas áreas. Segundo, a globalização, de forma ou de outra, vai exigir uma certa qualificação para o acesso ao trabalho rentável. Já hoje, no caso de São Paulo, por exemplo, uma boa parte das atividades urbanas paga menos do que as atividades rurais. Esse é outro argumento, digamos, no sentido de ficar no campo. Quando falo campo não é cidade do campo, é o campo mesmo, e isso é condenar o sujeito a te menos consumo de saúde, porque é mais difícil, mas caro oferecer saúde quando a população é dispersa. É mais difícil oferecer consumo de educação, e também o consumo político, consumo de política.

Marina Amaral - Mas é diante dessas condições, ou será sempre uma condenação?
Milton Santos - A partir das condições que tivermos hoje.

Leo Gilson Ribeiro - E por causa da mecanização da lavoura, também?
Milton Santos - Sim, porque, quando mecanizo a lavoura, mecanizo o território também. Quer dizer, crio estradas, e aí as pessoas podem se mover, aí vão para a cidade. Como é o caso de São Paulo, cerca de 7 por cento das pessoas vivem na área rural, mas o número de trabalhadores agrícolas é maior. A pessoa vive na cidade e trabalha no campo. Assim consome melhor saúde, melhor educação, melhor informação, e melhor política.

Marina Amaral - Então a reforma agrária não contribuiria muito para a melhoria da vida dessas pessoas?Milton Santos - Só contribuiria num primeiro momento, porque a produção hoje é comandada pela circulação. Então, se entrego a terra sem cuidar do resto, aquilo dura uma geração ou alguns anos, e depois a pessoa vai ser espoliada da mesma maneira. Mas, ainda aqui, a minha resposta vai um pouco além. Parto do homem que vive em São Paulo, ou de um baiano, mas não é a mesma coisa em relação ao Nordeste ou ao Norte, onde a mobilidade dos homens e das coisas é menor. Num território fluido, não adianta entregar ao pobre a produção, ele não tem comando sobre o resto, quer dizer, sobre a circulação, sobre a comercialização.

Georges Bourdoukan - Essa foi uma das razões do fracasso das agrovilas.
Milton Santos - Exato. Então, teria de ver isso. Mas, como instituir a população vai demorar, a presença no campo ainda é possível durante alguns anos.

Sérgio Pinto de Almeida - Professor, o processo da globalização é um processo sem cara, não tem face pessoal, mas de qualquer maneira tem algumas expressões, e eu queria colocar uma, que é o presidente da República. Ele veio do meio da reflexão, da universidade, não quero particularizar nele uma coisa maior, que enfim envolve o mundo, mas a atuação de um homem que tem essa origem, chega a esse posto e de repente, no caso do Norte-Nordeste, da seca, quase vira as costas para o problema, ou faz subterfúgio? Queria que o senhor falasse um pouco de um homem que chega a essa função tendo esse background.
Milton Santos - A resposta tem de ser filosófica. A ação é sempre presente, não há ação passada, nem ação futura, há apenas ação recente. E ação, de alguma forma, resulta de escolhas. A escolha pode ser resultado de uma convicção profunda ou de um escorrego na vaidade, na vontade de estar presente, o que a gente dizia da imagem - de aparecer. E aí volto ao começo de sua pergunta, que é não ter cara - começa a ter cara a globalização. Acho que 1998 é um ano importante por causa dessas grandes fusões do domínio da produção, do dinheiro e da informação - a cara vai aparecer. Então, o que acontece é que esse sistema da ideologia, que é também o sistema da perversidade, ele escolhe os homens, os seus representantes e os suplentes. É uma escolha. Na campanha eleitoral, a gente vê claramente. Os titulares e os reservas aparecem, é a produção das figuras necessárias, que é um dado do mundo hoje. Quer dizer, não há uma escolha nacional do líder nacional. Há uma escolha internacional, global, do líder nacional. Acho que esse é o jogo, e essa escolha é em grande parte feita entre pessoas que um dia foram suspeitas.

Marina Amaral - E esse processo tem o mesmo peso em todos os países, ou o senhor acha que nos países do terceiro mundo a globalização impõe ainda mais os escolhidos?
Milton Santos - Acho que são as sociedade locais, como elas funcionam face à política. Nos países onde a política nunca existiu, ou existiu menos, nos países onde a cidadania nunca existiu, ou existiu menos, num país onde os indivíduos fortes nunca existiram - perdão, existir sempre existiram, mas com menor força, menor presença - é mais fácil. Porque esses países são muito mais dependentes do sistema da ideologia. Na Turquia foi assim, também foi escolhido um intelectual, na Grécia, no Peru Vargas Llosa... é um fenômeno global.

Marina Amaral - O Tony Blair parece uma pessoa semelhante ao Fernando Henrique. A sociedade inglesa não teria condições de reagir de outra maneira?
Milton Santos - Não sei se o Tony Blair foi grande professor ou foi tornado professor. Mas em certos casos o prestígio intelectual também é produzido. Há pessoas que são escolhidas para ter prestígio intelectual internacional.

Marina Amaral - Mesmo num país desenvolvido como a Inglaterra?
Milton Santos - Que está dando importância à retórica. A retórica ganhou uma enorme importância hoje, e talvez por isso a gente deveria aprimorar o nosso discurso também, não é?

Marina Amaral - O senhor acredita que os organismos internacionais possam ter força no futuro? Pode existir uma ONU que funcione mesmo?
Milton Santos - Quando se fizer a globalização por baixo, sim, porque haverá outra realidade. Mas , do jeito que está, há uma poluição dos organismos internacionais, acabam poluídos.

Marina Amaral - Essa globalização por baixo seria via ação local de todos os povos?
Milton Santos - Acho que vai haver, no caso do Brasil, primeiro, uma outra federação. Vamos produzir uma outra federação. Os lugares vão se mostrar insatisfeitos, vão entender por que estão insatisfeitos, o que não sabem completamente ainda. Daqui a pouco vai haver uma reforma na Constituição, feita por cima, mas daqui a alguns anos vai haver outra, feita por baixo, porque essa por cima não vai funcionar. Isso vai acontecer em alguns ou todos os países. Aí, depois que fizemos a nossa federação por baixo, haverá a produção da globalização por baixo também, com novas instituições internacionais.

Marina Amaral - Esse processo é pacífico, professor?
Milton Santos - Não, não é pacífico.

Leo Gilson Ribeiro - E leva a um desmembramento do Brasil, ao separatismo?
Milton Santos - Ao contrário, porque é por baixo. Vem de baixo para cima, vem com emoção, com menos cálculo. E vai incluir os negros, as minorias, quer dizer, as minorias, porque não são minoria...

Marina Amaral - A questão negra terá uma importância muito maior?
Milton Santos - Claro. Já está tendo maior que na minha maturidade (risos), do que na minha juventude, e terá muito maior, porque os negros não vão para lugar nenhum! E com a globalização eles serão... nós seremos - ato falho - (risos) ainda menos atendidos.

Marina Amaral - E que prazo o senhor prevê para essa outra globalização?
Milton Santos - Não tem prazo. Depende de um conjunto de circunstâncias, não sei como a coisa vai evoluir na Índia, na China, no Irã, no Iraque.

Georges Bourdoukan - Professor, a semana passada, nos Estados Unidos, a Ku Klux Klan e os neonazistas fizeram uma série de manifestações, não querendo mais que os negros circulassem na ruas. Aí, de repente, ressurgiram os Panteras Negras, desfilando armados. Como o senhor analisa esse fato?Milton Santos - Passei agora uns meses ensinando lá, e uma coisa que me espantou e atribuí, como sempre olho as coisas, ao território californiano, que é exatamente fluido, bem organizado, bonito do ponto de vista material, com urbanismo aceitável, mas com extrema aridez da vida social e das relações interpessoais, ligadas ao fato de que é creme do mundo moderno, informatizado etc. Então é o lugar da ordem, da necessidade da obediência a regras, do pragmatismo, e também o lugar onde as conquistas sociais estão em regressão muito grande. O Estado suprimiu, via plebiscito, aquela coisa da discriminação positiva, depois, a língua espanhola, que era tratada com certa igualdade com a ex-língua nativa, também foi suprimida, com outro plebiscito, quer dizer, uma volta atrás. Então, essa reação eu imaginava. É nesse sentido que digo que no Brasil os negros vão deixar de ter a posição que têm hoje, pois ainda sorriem, e vão começar a ranger os dentes. O que é preciso é que os negros queiram ser a nação brasileira. Não tem de imitar América, nem querer ser africano. Porque, quando quero ser africano - ou africano brasileiro -, acabo sendo menos político. Sou político no meu país, porque não há política global, por enquanto. Então, esses atos de violência nos Estados Unidos vão ter o correspondente no Brasil em atos de revolta, de rebelião, de manifestações grandes, em outra escala e com mais força.

Georges Bourdoukan - O senhor sente isso mesmo?Milton Santos - Prevejo.

Marina Amaral - Como o senhor vê a evolução do movimento negro no Brasil, é rápida ou lenta?
Milton Santos - Se eu olhar para trás, há um crescendo, tanto na velocidade quanto na intensidade. Pode estar misturado com vontade de ser classe média, que polui um pouco as coisas, mas há um crescendo. O fato de que os negros tenham ido para a faculdade também é importante - descobrem também que não vão conseguir emprego. Ou os que conseguem são de menor remuneração. Quando estou pensando na classe média, penso na minha solução individual, que é o pensamento da classe média típico, não é? Mas está havendo uma tomada de consciência, digamos assim, do fato de ser relegado. Porque os negros não fazem parte da nação brasileira, isso é outra coisa. Sinto isso. Pessoalmente é minha experiência.

Sérgio de Souza - Na cabeça do pobre?
Milton Santos - Não, na cabeça dos outros. Quando se é negro, é evidente que não se pode ser outra coisa, só excepcionalmente não se será o pobre. É muito diferente.

Sérgio Pinto de Almeida - Só excepcionalmente não será.
Milton Santos - Não será pobre, não será humilhado, porque a questão central é a humilhação cotidiana. Ninguém escapa, não importa que fique rico. E daí o medo, que também tenho, de circular. Acredito que tenham medo.

Marina Amaral - O senhor tem medo?Milton Santos - Claro. Esse medo da humilhação.

Marina Amaral - O senhor tem medo de entrar num restaurante chique e alguém olhar torto porque o senhor é negro?Milton Santos - Tenho, tenho sim.

Sérgio de Souza - Todos os negros têm medo?Milton Santos - Todos têm. Posso fazer uma confissão? Tenho uma certa simpatia por esse rapaz, o Pitta. Esse ataque todos os dias, isso me choca, me dói também. Nunca votaria nele, não vou visitá-lo até que acabe o governo dele, mas no fundo sou solidário, porque sei que uma parte disso vem do fato de ele ser negro. Pisado como ele é pisado todos os dias, quando não se faz isso com ninguém!

Sérgio Pinto de Almeida - O senhor fala as coisas mais duras e pesadas e mantém o seu sorriso. Uma vez eu entrevistei o Antônio Callado e, abordando o assassinato dos meninos da Candelária, ele falava com uma virulência, uma dureza, e no entanto com um ar espantosamente sereno. Perguntei como se dava isso, ele falou: "É a idade, é a sabedoria, a dignidade não pode perder a clareza", algo assim. O senhor lembra ele.
Milton Santos - Isso é ligado também a quem ensina. Porque quem ensina não tem ódio, quem é professor mesmo não tem ódio nenhum.

Sérgio de Souza - Por falar em ensino, o senhor teria uma visão do ensino público superior, uma crítica, diante do que todos estão vendo?
Milton Santos - Creio que o ensino público é indispensável, e com a globalização torna-se mais indispensável para assegurar a possibilidade de pensar livremente, e de dizer livremente. Não basta pensar, tem de poder dizer. Por conseguinte, se o ensino ficar atrelado ao mercado, ou à técnica, ele será cada vez mais canalizado para a subserviência, sobretudo porque a ciência tende cada dia a ficar mais longe da verdade. Porque a ciência é feita para responder à demanda da técnica e do mercado. Por conseguinte, ela estreita o seu objetivo. Só o ensino público pode restaurar isso. Dito isso, as universidades públicas teriam de ser um pouquinho mais públicas, na medida em que elas estão abertas. O número de matrículas diminui proporcionalmente todos os anos. Em São Paulo, a evolução das vagas no ensino público é diminuta, e a expansão é do ensino privado. Então, a universidade pública para aumentar, digamos assim, a sua legitimidade, tem de se tornar um pouco mais pública. Tanto na aceitação de alunos quanto na escolha dos professores.

Sérgio de Souza - Mas esse modelo que está aí, esse ministro, o que significa o Paulo Renato?
Milton Santos - Bom, esse ministro é um porta-voz do processo de globalização perversa. Então, ele não merece entrar no debate. A questão é mais em cima. Porque de gente como ele os ônibus aí estão cheios. (risos) Então acho que o debate tem de ser outra vez sobre a nação, outra vez com o mundo. Acho que a gente tem sempre de partir do mundo como ele está intermediado pela nação que a gente quer. Acho que é um pouco isso que está nos faltando, e deixar esses defuntos (risos) - foi Hegel quem disse isso, não foi? -, deixar que esses defuntos descansem em paz. Não vamos perder tempo discutindo essas pessoas, porque a gente tem tão pouco tempo, tão pouco espaço.

Sérgio de Souza - Eu estava perguntando do modelo mesmo, a pessoa esta envolvida. Mas dentro da universidade, da USP, essa discussão se dá entre os mestres?Milton Santos - Ela se dá entre alguns mestres. Vai se dar com mais força agora, porque está havendo um estreitamento dos recursos, a universidade está empobrecendo, os salários estão diminuindo. Então, ela vai começar com a perspectiva de - como na classe média - se transformar numa discussão filosófica. A classe média está sendo chamada a uma outra discussão: não pode mais mandar o filho à escola boa, não pode mais cuidar da saúde, não pode mais envelhecer, não pode mais ficar doente. Também no caso da USP, que é uma universidade que somente conheceu crescimentos, engrandecimentos, e que evoluiu nessa idéia da sua própria grandeza, a pré-crise que está vivendo agora vai despertá-la para um debate mais amplo. Que ainda não está sendo feito.

Marina Amaral - A impressão que dá às vezes é que é muito corporativo o debate, que os professores estariam mais preocupados com o próprio salário do que com o que acontece na universidade. É uma visão maldosa essa?Milton Santos - Creio que a enorme dificuldade é ser intelectual neste fim de século. Uma enorme dificuldade, que na verdade está incluindo nessa globalização, porque a universidade é chamada a ser porta-voz. Quer dizer, os apelos todos da globalização, aumentando os contatos entre as universidades e indicando as universidades que são faróis, ela acaba corrompendo as universidades subordinadas, como a USP e as outras, do terceiro mundo, que não são universidades portadoras de teorias do mundo.

Georges Bourdoukan - Não haveria mais pensadores?Milton Santos - Acho que há um certo número, mas é mais difícil, hoje do que antes, primeiro pensar e, segundo, ter o seu pensamento difundido.

Leo Gilson Ribeiro - Quando o senhor diz que a ciência está se afastando da verdade, isso indica que ela está também no caminho do lucro?
Milton Santos - A serviço do lucro. Quer dizer, a descoberta gratuita ou de um futuro diferente daquilo que já está traçado - por conseguinte, não é mais futuro, porque já está traçado, não é isso? - não está acontecendo. Acho que esse é o problema da ciência hoje. Quer dizer, de um lado as ciências humanas são comandadas pela moda, então a gente faz aquilo que está na moda, que está na mídia. Dá-se mais valor à moda do que ao modo, porque a moda é que assegura a promoção, o status, a moda vem das universidade hegemônicas, que sabem por que estão impondo as modas. Então, você passa quinze anos estudando dependência, passa quinze anos estudando setor informal... veja, nestes últimos quarenta anos os temas centrais foram dois ou três. Que não levaram ao progresso do conhecimento, levaram para trás. E nas ciências exatas e nas outras é o mercado que escolhe o que fazer. Com a globalização, a escolha é cada vez mais estreita. Por conseguinte, o campo de pensamento se afunila e a distância em relação à busca da verdade aumenta. E hoje há uma tecnização da pesquisa, quer dizer, há uma necessidade de dinheiro, a maior parte das pesquisas precisa de dinheiro, isso complica, porque o dinheiro é mais freqüentemente dado para os centros de pesquisa que aceitam essa instrumentalização. E pensar livremente se dá a partir de um certo estágio, uma certa experiência ou um certo gênio - gênio em qualquer idade -, o que significa um número menor de pessoas, que tem público por isso mesmo menor. E o público vai exatamente para o outro lado. A universidade pública seria o lugar do intelectual público. Mas hoje a possibilidade de ser intelectual público é cada vez mais limitada, por essas condições todas sobre as quais falamos aqui.

Sérgio de Souza - E o senhor falava de mitos. O mito maior hoje seria o mercado.
Milton Santos - Exato. Porque ele sobrevive a partir disso. Começa pelo próprio nome, "mercado global"- não existe isso. Onde há esse mercado global? Mas tudo é mandado fazer em função do mercado global. Eu ainda ouvia essa manhã no rádio: "Ah, porque a exportação é que garante o crescimento". Será?

Georges Bourdoukan - Professor, o que muda se o PT ganhar a eleição?
Milton Santos - Não sei, porque, quando a gente lê um economista do PT, é quase a mesma coisa. Acho que vários trabalhos estão sendo feitos, um é o deles, os políticos, outro é o nosso, os intelectuais; não se confundem. E o nosso trabalho realmente vai começar depois das eleições, seja quem ganhar. Se o presidente atual ganhar, o processo histórico será acelerado, isso eu sinto.

Sérgio Pinto do Amaral - A crise se aprofunda.
Milton Santos - A visibilidade da crise vai aumentar. Acho que é isso, como dado pedagógico. Porque, se fosse eleito o Antônio Carlos Magalhães, ou Covas, a opinião seria: "Mas como vai falar mal dele, está chegando!" Esse está chegando. (risos)

Georges Bourdoukan - Gostei muito da entrevista. Finalmente sentou na nossa frente um filósofo.
Milton Santos - Mas não oficial. Fiquei muito feliz com essa conversa, ela me fez avançar. E vamos ver se a gente toca o país.

Textos curtos: O papel ativo da Geografia. Um manifesto

O PAPEL ATIVO DA GEOGRAFIA: UM MANIFESTO
Estudos Territorais Brasileiros
(Adriana Bernardes, Adriano Zerbini, Cilene Gomes, Edison Bicudo, Eliza Almeida, Fabio Betioli Contel, Flávia Grimm, Gustavo Nobre, Lídia Antongiovanni, Maíra Bueno Pinheiro, Marcos Xavier, María Laura Silveira, Marina Montenegro, Marisa Ferreira da Rocha, Milton Santos, Mónica Arroyo, Paula Borin, Soraia Ramos, Vanir de Lima Belo).


Palabras clave: geografía/ objetivos de la geografía/ espacio banal/ territorio usado
Key-words: geography/ objectives of the geography/ banal space/ used territory

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O papel atribuido à geografia e a possibilidade de uma intervenção válida dos geógrafos no processo de transformação da sociedade são interdependentes e decorrem da maneira como conceituamos a disciplina e seu objeto.
Se tal conceitaução não é abrangente de todas as formas de relação da sociedade com seu meio, as intervenções serão apenas parciais ou funcionais, e sua eficácia será limitada no tempo.
É verdade que, na linguagem comum e no entendimento de outros especialistas, assim como de políticos e administradores, a geografia é frequentemente considerada como a disciplina que se preocupa com localizações. Aliás, um bom número de geógrafos trabalha com essa visão.
A geografia considerada como disciplina das localizações, posição aceita durante largo tempo, mostra-se todavia limitante do rol de relações que se dão entre o homem e o meio e, por essa razão, revela-se insuficiente.
Mas esse não é o único enfoque simplificador e deformador.
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Foi por isso que propusemos considerar o espaço geográfico não como sinônimo de território, mas como território usado: e este é tanto o resultado do processo histórico quanto a base material e social das novas ações humanas. Tal ponto de vista permite uma consideração abrangente da totalidade das causas e dos efeitos do processo socioterritoral.
 
Essa discussão deve estar centrada sobre o objeto da disciplina - o espaço geográfico, o território usado - se nosso intuito for construir, a um só tempo uma teoria social e propostas de intervenção que sejam totalizadoras Entre os geógrafos, incluindo aqueles convidados para trabalhar com toda sorte de questões voltadas ao planeamento, o problema do espaço geográfico como ente dinamizador da sociedade é raramente levado em consideração. Ora, se as bases do edifício epistemológico são frouxas, as práticas políticas almejadas serão, no mínimo, enviesadas. A compreensão do espaço geográfico como sinônimo de espaço banal obriga-nos a levar em conta todos os elementos e a perceber a inter-relação entre os fenômenos. Uma perspectiva do território usado conduz à idéia de espaço banal, o espaço de todos, todo o espaço. Trata-se do espaço de todos os homens, não importa suas diferenças; o espaço de todas as instituições, não importa a sua força; o espaço de todas as empresas, não importa o seu poder. Esse é o espaço de todas as dimensões do acontecer, de todas as determinações da totalidade social. É uma visão que incorpora o movimernto do todo, permitindo enfrentar corretamente a tarefa de análise. Com as noções de território usado e de espaço banal, saltam aos olhos os temas que o real nos impõe como objeto de pesquisa e de intervenção. Mas tal constatação não é suficiente. É indispensável afinar os conceitos que tornem operacional o nosso enfoque. A riqueza da geografia como província do saber reside, justamente no fato de que podemos pensar, a um só tempo os objetos (a materaalidade) e as ações (a sociedade) e os mútuos condicionamentos entretecidos com o movimento da história. As demais ciências humanas não dominam esse rico veio epistemológico.
O território usado constitui-se como um todo complexo onde se tece uma trama de relações complementares e conflitantes. Daí o vigor do conceito, convidando a pensar processualmente as relações estabelecidas entre o lugar, a formação sociocespacial e o mundo.

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Cada vez que, em lugar de considerar o movimento comum da sociedade como um todo e do território como um todo, partimos de um dos seus aspectos, acabamos encontrando lineamentos que apenas são aplicáveis a uma determinada área de atuação - uma instância da vida social -, sem todavia autorizar uma intervenção realmente eficaz para o conjunto da sociedade. Em outras palavras, tais soluções são ocasionais, mas não duradouras, remédios parciais, mas não globais.
Qualquer proposta de análise e interpretação que pretenda inspirar ou guiar uma intervenção endereçada ao conjunto da sociedade não pode prescindir, então, de uma visão desse todo. Incapazes de gerar mudanças que englobem a totalidade do território e da sociedade, as intervencões parciais atendem a interesses particulares ou apresentam resultados efêmeros e inoperantes. Uma posição parcial da geografia frente ao seu objeto encontra abrigo nas fragmentações e dicotomias presentes em seu próprio seio, o que a torna teoricamente frágil. Conhecimentos operatórios e parcelares podem tornar-se entraves ao desenvolvimento da disciplina e de seu papel como ramo do conhecimento, particularmente quando parecem tomar o lugar da geografia ou justificar autonomamentesua existência.

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Por vezes é a própria formação do geógrafo que se torna um convite à fragmentação do conhecimento e do trabalho.
Quando se toma apenas urna parte do corpus da disciplina e assim mesmo o trabalho se torna exitoso, há nas pessoas um reforço à crença numa disciplina parcializada. É comum a opinião de que propor intervenções é possível àqueles enfoques fundados em visões parciais, ainda que essas intervenções amiúde sejam funcionais à política das grandes empresas. Será esse o êxito que buscamos?
No ensino da geografia é menos freqüente do que seria desejável a consideração da totalidade do conhecimento geográfico. A geografia é quase sempre apresentada ao estudante, desde o primeiro momento, de forma segmentada dificultando a apreensão de uma abordagem essencialmente geográfica e comprometendo a formação do profissional e o futuro da própria disciplina. Como resultado, muitas vezes o geógrafo especializa-se em um ramo operacional voltado ao restrito mercado de trabalho. Acreditamos poder escapar à "parcialização" da disciplina (e, destarte, das intervenções a partir dela), com a busca firme e continuada de uma ontologia do espaço geográfico. Esta busca pode ser entendida como a construção de um conjunto de proposições epistemológicas que, formando um sistema lógico coerente, e sendo fundada nos avançosmetodológicos já conseguidos pela disciplina no século XX, aprimoraria o que se pode chamar de "núcleo duro" da geografia, desembocando, necessariamente numa visão geográfica totalizadora.
Conseguiríamos, desse modo, um rechaço à "indolência epistemológica" (situação que, aliás, não é só brasileira) na produção do conhecimento geográfico.

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O espaço é freqüentemente considerado como espaço político, espaço econômico, espaço antropológico, espaço turístico. E esse é um grande problema para a disciplina.
Fragmentada, a geografia não oferece uma explicação do mundo e portanto passa a precisar cada vez mais, de adjetivos que expliquem a sua finalidade. Ela perde substância e corre sérios riscos de não ser mais necessária nos curriculos escolares. Tal fragmentação é decorrente, de um lado, da crescente impossibilidade, socialmente gestada, de percebermos que todos os elementos agem conjuntamente (e separações podem ser feitas apenas para fins analíticos). Soma-se a isto a consagração da fragmentação no ensino em todos os planos (nas aulas, nos livros, nas grades curriculares). A situação é agravada, ainda, quando no ensino superior - público e privado - adota-se uma especialização cujo fim é atender a umacerta política e ao mercado.

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Tanto o mercado como a política às vezes inspiram soluções desse tipo. Não será o caso de certas propostas fundadas por exemplo nas geografias do turismo, do meio ambiente, da cultura, dos SIG's, ou de sugestões ditas de planejamento regional mas que, na verdade, beneficiam uma ou poucas atividades em um dado momento?
Não é demais assimilar estas proposições a uma fragmentação da disciplina geográfica em outras tantas geografias, que desejam, na prática, impor-se como autônomas, quando seu papel auxiliar apenas as qualifica como ramos operacionais de uma geografia mais complexa e unitária. Esta parece mais possível de alcançar através de uma perspectiva do território usado, uma vez que estamos levando em conta todos os atores.
Buscando atender às exigências na formação de profissionais para o mercado de trabalho, cursos de graduação têm privilegiado a especialização do saber em detrimento do conhecimento abrangente, afastando o profissional do cidadão. Por outro lado, políticas restritivas de financiamento provocam um distanciamento entre as várias áreas do saber, privilegiando-se àquelas que possibilitam investigações aplicadas, consideradas da maior relevância econômica ou política. Nesse contexto muitos geógrafos procuraram adaptar-se às novas exigências por meio de saídas particularistas no ensino e na pesquisa, enfatizando aspectos da realidade social como se fossem a totatidade do fenômeno geográfico. Em nome de uma modernização utilitária e produtivista, certos cursos de geografia correm o risco de jogar fora principios que deveriam balizar e singularizar esta área do saber.
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Na evolução do pensamento geográfico, a vontade de totalização e a formulação dos respectivos enfoques têm sido presentes, ainda que contrariadas sempre por uma tendência à segmentação.
Vejamos um exemplo. Na época de Vidal de la Blache, a possibilidade de totalização às vezes concretizada com a ajuda da política de um Estado necessitado de um conhecimento geográfico, não sofria as investidas do mercado tal como as conhecemos hoje. Desse modo opunha-se um dique à fragmentação do saber geográfico e das suas propostas de ação.
Enfoques totalizadores tendem a buscar uma correspondência à unidade do mundo real. Todavia, no caso particular da geografia, essa idéia de unidade da Terra é contraposta por aqueles que se apoiam em realidades parcais para fundamentar argumentações também parcais ou redutoras. Assim, a geografia foi se firmando ao longo de sua história à base desse confronto entre duas vocações bem distintas. No plano do conhecimento ou das propostas de ação, a verdade teria sido tomada por diversas formas de engano. E hoje? Quando a própria globalização é vista como um resultado da vontade de integrar mercados segundo um discurso único, ela não permite o reencontro de enfoques mais abrangentes.

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O problema central é como utilizar os conhecimentos sistematizados por uma disciplina no delineamento de soluções práticas e caminhos frente aos problemas concretos da sociedade. Dependendo das filiações teórico-ideológicas dos autores, isso parece ter sido possível a especialistas da ciência política, da economia etc., cuja tarefa ultrapassa, sem maiores dificuldades, o limite da simples interpretação dos fenômenos para sugerir mudanças, isto é, para se eregir como uma política.
Quando o esquema interpretativo da sociedade próprio à nossa província do saber dá conta da realidade concreta em sua totalidade ele pode ser o fundamento da construção de um discurso novo para a ação política dos atores sociais responsáveis por sua prática, tais como partidos políticos, movimentos sociais, instituições etc. Um discurso socialmente eficaz pode ser o conteúdo, a base de intervenções "sistêmicas" na sociedade, em diferentes níveis do exercício da política, entre os quais, o mais abrangente seria a contribuição para a elaboração de um projeto nacional, comprometido com a transformação da sociedade em benefício da maioria da população do país. A idéia de intervenção supõe um interesse político, entendido como interpretação histórica mais ampla, que implica um ideal de futuro como espaço de resolução de problemas supostamente arraigados nas sociedades.

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Não se trata de impor uma definição única. O conteúdo de uma geografia compreensiva pode certamente responder a uma entre várias lihnas teóricas, segundo a escolha do autor. Mas, a partir daí, é indispensável dispor de um conjunto coerente de proposições, onde todos os elementos em jogo sejam considerados em sua integração e em seu dinamismo.
A geografia deve estar atenta para analisar a realidade social total a partir de sua dinâmica territorial, sendo esta proposta um ponto de partida para a disciplina, possível a partir da um sistema de conceitos que permita compreender indissociavelmente objetos e ações. O território usado, visto como uma totalidade, é um campo prvilegiado para a análise na medida em que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro lado, a própria complexidade do seu uso.
Para os atores hegemônicos o território usado é um recurso, garantia da realização de seus interesses particulares. Desse modo, o rebatimento de suas ações conduz a uma constante adaptação de seu uso, com adição de uma matenalidade funcional ao exercício das atividades exógenas ao lugar, aprofundando a divisão social e territorial do trabalho, mediante a seletividade dos investimentos econômicos que gera um uso corporativo do território. Por outro lado, as situações resultantes nos possibilitam a cada momento, entender que se faz mister considerar o comportamento de todos os homens, instituições, capitais e firmas. Os distintos atores não possuem o mesmo poder de comando levando a uma multiplicidade de ações fruto do convívio dos atores hegemônicos com os hegemonizados. Dessa combinação temos o arranjo singular dos lugares.
Os atores hegemonizados têm o território como um abrigo, buscando constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo tempo que recriam estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares. É neste jogo dialético que podemos recuperar a totalidade.

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Somente assim responderemos à questão crucial de saber como e porquê se dão as relações entre a sociedade como ator e o território como agido e, ao contrário, entre o território como ator e a sociedade como objeto da ação. É essa, ao nosso ver, a maneira de encontrar um enfoque totalizador, que autorize uma intervenção interessando à maior parte da população.
 



1. Apresentado pelo grupo Estudos Territorais Brasileiros, do Laboplan (Laboratório de Geografia Política e Planejamento Territorial e Ambiental) do Departamento de Geografia - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) no XI Encontro Nacional de Geógrafos. Florianópolis, Brasil, Julho de 2000.

Fonte: http://www.ub.es/geocrit/b3w-270.htm

24 de abr. de 2010

Textos curtos: Nova onda de violência e devastação no campo brasileiro vista a partir da Geografia

Nova onda de violência e devastação no campo brasileiro vista a partir da Geografia

Carlos Walter Porto-Gonçalves

A concentração da propriedade da terra se constitui num dos pilares da concentração de poder não só no Brasil como em toda a América Latina. Desde o início da invasão dos territórios dos povos originários pelos europeus que o domínio e controle da terra e de suas riquezas minerais se configuraram como o principal objetivo dos invasores. Para isso, os invasores conformaram um conjunto de justificativas que teve na idéia de raça (Aníbal Quijano) um elemento central para legitimar esse controle dos recursos e da riqueza por parte dos fidalgos, ou seja, dos fi´d´alguém, já que os filhos de ninguém, isto é, os povos originários e os negros não eram considerados humanos. 

Assim, a estrutura assimétrica das relações sociais e de poder tem no controle dos recursos e da riqueza e nessa distinção/discriminação social com base na raça a base da constituição da formação das classes sociais no Brasil e na América Latina. Por isso a questão fundiária associada à questão étnico-racial se constitui num dos temas mais explosivos de nossa formação social. Até recentemente essas questões se mantiveram dissociadas no debate político em parte graças à eficácia da ideologia da mestiçagem e da democracia racial e, em parte, pela ideologia da vanguarda da classe operária que obscurecia outras formas possíveis de classificação social. Todavia, nos últimos anos esse quadro vem se modificando com a emergência de movimentos sociais que trazem para o debate político o elemento étnico-racial constitutivo das nossas relações sociais e de poder desde sempre. Estamos, pois, diante da negação da negação da condição de humanidade por parte dos negros e dos povos originários que, assim, se apresentam afirmando ter direito a instituir direitos. 

Desde o início do período colonial que se conformou no Brasil e na América Latina duas geografias antagônicas: (1) uma geografia marcada por assimétricas relações sociais e de poder étnico-racializadas, (1.1) seja por meio do cativeiro dos homens (escravidão) e (1.2) à violência contra as mulheres (haja vista o fato de a maioria dos colonos que vieram para o Brasil não ter vindo para cá com suas esposas e, assim, violar as mulheres indígenas e as negras eram práticas comuns), (1.3) seja por meio do cativeiro da terra (latifúndio) que destina os nossos melhores recursos, tanto técnicos (dos engenhos dos séculos XVI e XVII, aliás, as mais modernas manufaturas que então o mundo conhecia, aos atuais tratores-computadores com seus plantios diretos de monoculturas transgênicas), (1.4) como naturais (os melhores solos, nossas energias e águas, nossas matas queimadas para fazer ferro-gusa limpo para o primeiro mundo e a contaminação e a devastação a isso associado que fica para nós) para a exportação e; (2) uma geografia da liberdade que se conformou por meio de  quilombos, nos refúgios dos indígenas e no apossamento de terras pelos camponeses (“homens livres”), onde a diversidade dos cultivos e o aproveitamento do potencial que a natureza com sua produtividade primária (fotossíntese) oferece, conformaram modos de vida e de produção marcados por uma riquíssima culinária e uma medicina criativa e eficaz cujos conhecimentos são, hoje, objeto de intensa luta por apropriação (etnobiopirataria) e que é responsável por grande parte do nosso alimento de cada dia.

A julgar pelos dados recém divulgados pela Comissão Pastoral da Terra, em seu Caderno de Conflitos 2007, essas duas geografias parecem atualizar a contraditória história de nossa formação territorial. De 2006 para 2007 houve um espraiamento dos assassinatos no campo brasileiro [Mapa 1]: de oito estados com registro de assassinatos em 2006 passou-se para quatorze, ainda que tenha havido um decréscimo no número total de assassinatos no país, de 39 para 28, fruto da expressiva queda dos assassinatos no estado do Pará que de 24, em 2006, passou a 5, em 2007. De dez estados com registro de famílias expulsas em 2006 passou-se também a 14, em 2007 [Mapa 2]. O número total de famílias expulsas aumentou 140% de um ano para outro; em 15 unidades da federação houve aumento do número de pessoas envolvidas em conflitos de 2006 para 2007 [Mapa 3]; aumentou também o número de trabalhadores em situação análoga à de escravo: em 2006 foram 6.930 casos denunciados com o resgate de 3.633 trabalhadores em 16 estados; em 2007 foram 8.653 casos com o resgate de 5.974 em 18 unidades da federação. Esses últimos dados são ainda confirmados em matéria publicada pela Folha de São Paulo, em 17 de fevereiro de 2008 (FSP, Caderno B: 04), que informa que os grupos móveis do Ministério do Trabalho resgataram em propriedades do setor sucro-alcooleiro 3.117 pessoas submetidas à condição análoga à de escravo, o que correspondia a 53% do total de casos registrados no país. Os demais casos foram registrados, principalmente nas atividades de carvoejamento e de pecuária. Observemos que assassinatos, expulsão de famílias e trabalho escravo são ações que revelam práticas de fazer justiça com as próprias mãos. Por outro lado, o número de famílias despejadas também aumentou na região sudeste, isto é, na região onde estão os estados de maior desenvolvimento capitalista do país, aqui indicando que além da violência com as próprias mãos do poder privado acima indicada, o poder público também vem contribuindo com suas ordens de despejo para consagrar a apropriação concentrada da terra. 

Considere-se que desde 2004 quando o n° de ocupações atingiu seu máximo (508) que esse n° vem caindo tendo passado de 384, em 2006, para 364, em 2007. O mesmo vem ocorrendo com os acampamentos que foram 284, em 2003, e baixaram para 67, em 2006, e 48, em 2007.

Quando se observa as categorias sociais evolvidas nos conflitos [Mapas 4, 5 e 6] por terra no ano de 2007 vemos que os Sem Terra correspondem a 44% do total e as Populações Tradicionais a 41%! Assim, vemos que os conflitos envolvendo trabalhadores rurais sem terra e trabalhadores com terra, mas sem reconhecimento formal da sua condição de apossamento praticamente se equivalem, já que as Populações Tradicionais implicam os Posseiros, os Remanescentes de Quilombos, os Faxinaleses, os Ribeirinhos, os Pescadores, os Seringueiros, os Castanheiros, as Mulheres Quebradeiras de Coco, os Geraizeiros. Esses dados indicam que está em curso um intenso processo de expropriação camponesa no Brasil. 

O que estaria engendrando tamanho agravamento da violência no campo brasileiro, sobretudo quando se registram também uma diminuição significativa dos acampamentos, das ocupações e demais ações dos movimentos sociais? Há, de um lado, razões de “longa duração”, como diria Fernand Braudel, haja vista que a violência com as próprias mãos por parte das nossas oligarquias moderno-coloniais, os números confirmam amplamente, sempre aumenta quando existe algum avanço no sentido da democratização da sociedade brasileira e o poder público passa a agir de modo republicano e não como soe acontecer nos períodos de normalidade patrimonialista onde impera a vontade dos “donos de poder”, conforme a precisa caracterização de Raimundo Faoro. Foi assim no período da Constituinte, nos finais dos anos oitenta, quando a sociedade brasileira via avançar um conjunto de movimentos sociais que pautavam o debate da Reforma Agrária e, com ela, buscavam conformar uma democracia substantiva democratizando o acesso à terra e demais recursos necessários à saúde, educação, meio ambiente, apoio à infância, à adolescência e à terceira idade. 

Seringueiros, atingidos por barragem, remanescentes de quilombos, mulheres quebradeiras de coco babaçu, geraizeiros, retireiros, faxinaleses, castanheiros, ribeirinhos, pescadores, e demais formações sociais camponesas começaram a constituir um novo léxico político, diversificando e complexificando o debate da reforma agrária no país. As expectativas de democratização que se fizeram com a eleição do Sr. Lula da Silva também fizeram aumentar os índices de violência no campo por parte das oligarquias preocupadas com a possibilidade que o governo avançasse na política de reforma agrária. O aumento dos assassinatos, do n° de famílias expulsas e de famílias despejadas no primeiro ano do governo do Sr. Lula da Silva foi uma clara demonstração de força por meio da violência por parte das oligarquias empresariais latifundiárias. 

O fato do governo do Sr. Lula da Silva não ter avançado no sentido de mexer na estrutura de poder do latifúndio e, ainda, apostar numa nova onda de avanço moderno-colonial não tem sido suficiente para arrefecer a violência do poder dos “grandes latifúndios empresariais monocultores de exportação”, eis o verdadeiro nome dos agronegociantes. Hoje, são enormes as oportunidades que se abrem para a exportação de commoditties, só comparáveis às oportunidades que se abriram nos séculos XVI e XVII quando também uma verdadeira revolução tecnológica se deu na produção, com os engenhos, e na circulação, com a navegação. O capitalismo de estado monopolista, sob o comando do Partido Comunista Chinês, tem demonstrado sua superioridade sobre o capitalismo monopolista de estado, sob a hegemonia neoliberal da banca de Wall Street e suas instituições globalitárias (FMI, Banco Mundial, G-7+1, OMC), ativando a demanda de matérias primas agrícolas, minerais e de energia e oferecendo oportunidades enormes, sobretudo para países que dispõem amplas reservas de terra e seus recursos, como é o caso do Brasil.

O avanço do cultivo da cana de açúcar, sobretudo nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul, vem se fazendo sobre áreas de pastagens principalmente e, assim, o gado vem avançando sobre as áreas de cerrado e floresta, seja no Mato Grosso, no Tocantins, no Pará, no Maranhão, no Piauí e oeste baiano. O mesmo vem acontecendo com a ampliação da área de soja, de milho e de monocultivos de madeiras exóticas (eucalipto e pinnus eliotis). Numa espiral virtuosa de voiolência e devastação, esse avanço do gado e desses monocultivos de exportação, ao exercer pressão sobre essas áreas de cerrado e de florestas oferecem oportunidades que viabilizam os grileiros de terras, os madeireiros que se apresentam como moderno-colonizadores, as empresas de carvão que oferecem matéria prima para purificar o ferro a ser exportado por modernas e coloniais infra-estruturas de estradas de ferro e portos. Grilada a terra, retirada as madeiras nobres, queimadas as madeiras para fazer o carvão é chegada a hora dos pecuaristas e de outros agronegociantes completarem esse tragicamente dinâmico Complexo de Violência e Devastação.

São essas amplas expectativas de negócios que estão subjacentes às ações de violência que aumentam no país. Os dados dessa geografia da violência permanecem incontestados pelas entidades do bloco de poder técnico-científico-agroindustrial-financeiro-midiático diretamente ligado a essa problemática, bloco de poder esse conformado por entidades como a Associação Brasileira de Agrobusiness – ABAG, a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação – ABIA, a Associação da Indústria de Açúcar e Álcool – AIAA, a Rede Globo Comunicações e Participações, Agência Estado, entre outras, conforme se pode consultar no sítio http://www.abag.com.br/

A violência se mostra, assim, como componente estruturante das relações sociais e de poder de nossa história territorial de ontem e de hoje e, tal como ontem e hoje, sempre esteve associada ao avanço do que havia de mais moderno nos colonizando.
Fonte: http://alainet.org/active/23787〈=es