15 de jul. de 2010

Clássicos da Geografia: Pierre Monbeig

Fragmento de: MONBEIG, P. Leçon inaugurale 6 de novembre de 1952: Conservatoire National des Arts et Métiers, in: THÉRY Hervé; DROULES, Martine. Pierre Monbeig un geographe pionnier. Paris: CREDAL, 1991.

É fácil compreender que o geógrafo não se apóia num fato isolado, como o economista, o sociólogo ou o engenheiro,(...) Partindo da realidade, que é sempre complexa, o geógrafo a compreende primeiramente em sua totalidade. Em seguida, ele se esforça, como o diz o Professor Baulig, para explicar e compreender. Explicar, quer dizer desenrolar , como se desenrola um rolo de papel ou, se se prefere, como se desmonta um mecanismo para ver todas as suas partes.

Mas, totalmente desmontado o mecanismo, é preciso tomar bastante cautela com a maneira como se ajustam as partes, pois é precisamente o ajustamento dessas partes que assegura o funcionamento do mecanismo. Tendo explicado, trata-se agora de compreender , quer dizer, tomar em conjunto os diferentes elementos. Uma linha de estrada de ferro, por exemplo, não é somente o traçado da via, a velocidade dos trens, nem a lista de cidades que ela dessela, nem o número de viajantes e a tonelagem das diversas mercadorias que ela transporta. É tudo isso junto, mais os capitais que asseguram seu funcionamento, as atividades que ela suscita, as concorrências que ela sofre e outras coisas mais. O economista limitar-se-ia ao estudo de alguns desses aspectos, o técnico a outros, o especialista em questões demográficas a outros. O geógrafo os toma na sua totalidade e os considera como um todo no qual todas as partes são solidárias.

O próprio do estudo geográfico é, pois, constituído por conjuntos complexos, de “combinações geográficas”, para retomar a fórmula do Professor Cholley. Mas essas combinações têm um substrato sólido: a Terra. E a Terra não quer dizer somente a superfície acidentada do solo, mas também o subsolo, as plantas, o clima, o meio biológico. É necessário ver como e por que existe determinada combinação geográfica num ponto preciso do globo. Ela ocupa uma certa parte do espaço; ela se impõe ao meio natural e ela é ao mesmo tempo conseqüência dele. Ela se transforma sem cessar , pois tudo o que vive é dinâmico; é preciso ver também como esse complexo geográfico evolui e por que causas.

Perguntar-se-á, sem dúvida como reconhecer esses complexos geográficos. Se é fácil com nossos instrumentos científicos mensurar os fenômenos físicos ou químicos os mais miúdos, como ver um complexo? O primeiro ponto do método geográfico, como já mostrei nos meus Ensaios de Geografia Humana (São Paulo, 1940), consiste em abrir os olhos sobre a paisagem. O geógrafo deve saber olhar, e aí onde um olho não advertido vê apenas linhas e cores, ele compreende a significação profunda, o valor humano da paisagem. Mas, por mais completa de ensinamentos que seja uma paisagem, ela não é tudo e, para melhor compreendê-la, é necessário, e este é o segundo ponto de nosso método, poder ultrapassá-la. Não é o suficiente, diante de um cenário industrial, como o da periferia de Paris ou de São Paulo, falar da fumaça das chaminés, enumerar as fábricas e descrever o vaivém das massas operárias. É necessário ainda perguntar-se quais estruturas econômicas estão associadas a essa paisagem das quais elas são ao mesmo tempo causa e conseqüência.

Resenha: Dois séculos de pensamento sobre a cidade

VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Dois séculos de pensamento sobre a cidade. Ilhéus: Editus, 1999, 596 p.

Maria Encarnação Beltrão Sposito
Departamento de Geografia
Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Campus Presidente Prudente, Brasil.

Em princípio, este é um livro difícil de ser definido. Não se trata de uma antologia, como seu próprio autor nos adverte na ‘Introdução’ de sua obra, tampouco de uma listagem de todas as publicações referentes à compreensão da cidade nos dois últimos séculos, o que demandaria mais tempo e papel e, talvez, não necessariamente fosse importante. 

De fato, esse livro resulta de um caminho percorrido pelo autor, que se dedicando à leitura de uma enorme quantidade de publicações originais atinentes a estudos urbanos, estabeleceu um recorte temático, fez escolhas de autores e assuntos, propôs uma periodização para fazer a apreensão dessa produção bibliográfica e, sobretudo, empreendeu sua leitura crítica, oferecendo ao leitor elementos para contextualizar cada obra, incluindo-se informações sobre seus autores. 

A escolha temática empreendida foi a de priorização dos estudos referentes ao espaço intra-urbano, já que aqueles que interessam à compreensão das redes, sistemas e hierarquias urbanas podem ser considerados de nível regional. 

A escolha dos autores foi cuidadosa. A predominância dos franceses deve-se, segundo o autor, à pesquisa realizada durante seu pós-doutorado realizado junto à Université de Paris IV . Essa razão não prejudica a escolha feita, por duas razões: em primeiro lugar, é inegável a contribuição dos franceses para a evolução dos estudos urbanos nos dois séculos em pauta; em segundo lugar, foram esses os autores que mais influenciaram a Geografia Urbana brasileira, desde a instalação dos primeiros cursos de Geografia, em nível superior, instalados em nosso país, a partir de 1934. 

A bibliografia produzida no Brasil é considerável, embora escolhas também tenham sido feitas. O autor priorizou a análise dos textos antigos e, da produção mais recente, aquela que considerou mais representativa, em termos de livros editados. A existência do valioso texto de Abreu1 , como o próprio autor destaca, eximiu-o da citação de um maior número de trabalhos. Por outro lado, as facilidades que se tem para ter acesso a essa produção permitem ao leitor complementar o que se apresentou como essencial, caso pretenda uma visão mais completa da produção nacional. 

Obras estrangeiras importantes, editadas em língua inglesa, castelhana, portuguesa e italiana, também são analisadas no livro de Vasconcelos oferecendo-se, assim, ao leitor uma pesquisa bibliográfica internacional que, ainda que seja mais apoiada na produção francesa, não se restringe a ela. 

Vasconcelos ao escolher textos, escolheu autores. Dos mais antigos, cuja produção editada é proporcionalmente menor à contemporânea, a escolha de uma ou duas obras foi suficiente para se ter acesso ao que, de forma mais significativa, contribuiu para a evolução do pensamento sobre a cidade. Dentre os mais recentes, o autor teve que ter, como nos adverte, uma seletividade maior, em função da "gigantesca produção atual e a continuidade da produção desses autores" (p.17-18). 

Para selecionar os textos, segundo os assuntos desenvolvidos, evitou as publicações que tratam de temas mais específicos e, por outro lado, esclarece que em relação ao exame de obras sobre a cidade, oriundas de outras áreas do conhecimento, como a Sociologia, a Antropologia, a História ou o Urbanismo, o objetivo foi fazer um paralelo com a produção geográfica sobre a cidade, sendo a seleção, nessas disciplinas, ainda mais rigorosa. 

A qualidade maior da obra está na capacidade de Vasconcelos de lidar com o tempo na análise geográfica. Estabelecer uma periodização é das mais difíceis tarefas, pois, freqüentemente, corre-se o perigo do estabelecimento de intervalos regulares, que nem sempre permitem um agrupamento valioso, do ponto de vista teórico-metodológico e conceitual. 

Fazendo parte do pequeno grupo de geógrafos que se dedicam à Geografia Histórica, Vasconcelos tem tido, em suas intervenções escritas e orais, a preocupação em contextualizar os enfoques produzidos em tempos pretéritos, ressaltando, simultaneamente, sua importância no momento em que se divulgaram estes textos e o legado que constituem para a reflexão contemporânea. 

Essa característica revela-se, de forma completa, na obra em apreço. O autor apresenta a bibliografia selecionada em cinco períodos, que constituem capítulos do livro. Em cada um deles, antes mesmo da apresentação dos textos selecionados, Vasconcelos insere uma contextualização do período recortado, oferecendo, de forma sucinta, alguns fundamentos para que se compreenda o quadro histórico, econômico, político e social, a partir do qual se elaborou aquela produção. 

O primeiro recorte temporal estabelecido foi de 1810 a 1869 para reunir o que denominou dos "precursores do pensamento sobre a cidade". Dentre esses destacou os geógrafos Conrad Malte-Brun e Alexandre von Humboldt, os "socialistas revolucionários" Friedrich Engels e Karl Marx e outros intelectuais como Michel Perreymond, Fustel de Coulanges e Ildefonso Cerdá. 

No segundo período (1870-1913) reuniu o que considerou como "o pensamento sobre a cidade no período da institucionalização da Geografia". Muitos geógrafos foram destacados: Friedrich Ratzel. Elisée Reclus, Emile Levasseur, Lucien Gallois, Desiré Pasquet, Petr Kropotkin, R. Dupuy, Paul de Rousiers, Antoine Vacher, Frederick Emerson, Etienne Clouzot, Mark Jefferson, Pierre Clerget, Jean Brunhes e Raoul Blanchard. Dentre as contribuições de outras disciplinas, Vasconcelos destacou os arquitetos e urbanistas Camillo Sitte, Ebenezer Howard e Tony Garnier, além dos sociólogos, historiadores e ‘estatísticos sociais’ Ferdinand Tonnies, Paul Meuriot, Adna Weber, Georg Simmel, Maurice Halbwachs e René Maunier. 

A partir do capítulo seguinte, verifica-se o crescimento significativo de publicações, por meio do número de autores selecionados como representativos do período entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais (1913-1944). Há textos de 26 geógrafos, dentre os quais destacamos Marcel Aurosseau, Raoul Blanchard (que já teve obra selecionada no período anterior), Maximilien Sorre, Albert Demangeon, Preston James e Pierre Monbeig, cujo artigo "O estudo geográfico das cidades", publicado no Brasil, foi muito difundido neste país. 

A produção das outras disciplinas foi de grande importância nesse período, sobretudo pela influência que alguns desses autores exerceram sobre o pensamento geográfico. Destacam-se os pesquisadores da "Escola de Chicago" Robert Park, Ernest Burgess, Roderick Mckenzie, Louis Wirth, N. Gist & L. Halbert e Donald Pierson. Como representativos da "Sociologia Européia", Vasconcelos selecionou Oswald Spengler, Max Weber, Maurice Halbwachs; da "Economia Urbana" ( Homer Hoyt); entre os "Arquitetos e Urbanistas" (Patrick Geddes, Le Corbusier, Lewis Mumford, Gaston Bardet); como "Historiadores" selecionou Paul Meuriot, Lucien Febvre, Marcel Poëte, Henri Pirenne, Caio Prado Junior e Pierre Lavedan e, por fim, ressaltou texto do filósofo Walter Benjamin. 

Referente ao período do pós-guerra ao início dos anos 70 (1945-1972), Vasconcelos selecionou grande número de geógrafos e considera que essa é a etapa de ampliação da participação desses profissionais nos estudos urbanos. O número de obras, produzidas por geógrafos e escolhidas pelo autor como representativas do período foi de 46, sendo que alguns dentre esses participam com mais de uma dentre as analisadas. Destacamos dentre os escolhidos, os nomes de C. Harris & Ullman, Georges Chabot, Pierre George, Jean Tricart, Jean Gottmann, Yves Lacoste, Brian Berry e Harold Carter. Nota-se, pela seleção feita, que se ampliou e se qualificou a produção bibliográfica sobre as cidades no Brasil, nesse período, pois entre os textos analisados encontram-se os dos seguintes autores nacionais: Josué de Castro, Aroldo de Azevedo, Milton Santos, Antonio Penteado e Juergen Langenbuch. 

A produção das outras disciplinas efetuada nesse mesmo período, foi classificada por Vasconcelos em cinco grupos: "Pluridisciplinar" (Georges Friedmann e P. Hauser & L. Schnore); da "Sociologia Urbana" (P.-H. Chombart de Lauwe, Gideon Sjoberg, Jean Rémy, Henri Coing, Henri Lefebvre e Manuel Castells); "Antropologia Urbana" (Gilberto Velho); "Economia Urbana" (William Alonso); "Historiadores" (Louis Chevalier, Fernand Braudel e Arnold Toynbee); e, por fim, "Urbanistas" (Kevin Lynch, Jane Jacobs, Colin Buchanan, Françoise Choay e Nestor Goulart Reis Filho). 

O autor denominou de período atual aquele compreendido entre 1973 e 1994. Um número ainda maior de textos (51) escritos por geógrafos foi inserido na análise efetuada. Destacam-se dentre os estrangeiros: David Harvey, William Bunge, Horacio Capel, J. Beaujeu-Garnier, David Clark, Edward Soja, Marcel Roncayolo. O número de autores brasileiros aumentou, revelando a consolidação da produção bibliográfica nacional nesse campo do conhecimento: Milton Santos, Mário Lacerda de Melo, Speridião Faissol, Manuel Correia de Andrade, Helena Kohn Cordeiro, José William Vesentini, Mauricio de Abreu, Aldo Paviani, Roberto Lobato Corrêa, Maria Adélia Aparecida de Souza e Ana Fani Alessandri Carlos. 

A "produção atual das outras disciplinas" apresenta-se assim agrupada: "Pluridisciplinar" (P. Merlin & F. Choay, M. Roncayolo e T. Paquot); "Sociologia Urbana" (Jean Lojkine, Y. Grafmeyer & I. Joseph, Peter Saunders e Gilles Montigny); - "Antropologia Urbana" (Ulf Hannerz e James Holston); "Economia Urbana" (Alain Lipietz e Paul Singer); "Arquitetos e Urbanistas" (Anatole Kopp, Mikhail Possokhine, Paul Virilio, Mike Davis, Jean-Pierre Gaudin e Saskia Sassen); "Historiadores" (Enrico Guidoni e Paul Bairoch); "Filosofia" (P. Ansay & R. Schoonbrodt). 

Após a apresentação dos períodos, o leitor encontrará na obra em análise, sob a denominação de "Conclusões", uma avaliação, realizada pelo autor, do conjunto das obras, destacando-se os avanços teórico-metodológicos e conceituais realizados nos diferentes períodos, reconhecendo e destacando os autores e textos nos quais eles se expressam e identificando-os às correntes do pensamento geográfico, num esforço de síntese que muito pode contribuir para os que se iniciam nos estudos urbanos como provocar o debate e o aprofundamento das reflexões entre aqueles que já estão inseridos no instigante universo dos pesquisadores que procuram desvendar a cidade e o urbano em constante movimento de transformação. 

O espírito indagativo que a obra poderá suscitar parece intencional, por parte de Vasconcelos, que termina seu livro com questões que se apresentam abertas para a reflexão contemporânea. 

A bibliografia que se encontra ao final do livro, está organizada em três partes. Em primeiro lugar, têm-se os trabalhos de "Geografia", subdivididos em: "Geografia Urbana" (153 referências) e "Evolução da Geografia" (42 referências). Em seguida, há as indicações de obras compreendidas como oriundas de "Outras Disciplinas" (96 referências). Por último, encontram-se "Outras Publicações" (14 referências). 

O número total de referências – 305 – reforça o que já destacamos - a abrangência da pesquisa realizada por Vasconcelos e as possibilidades que o leitor terá em explorar essa obra, na perspectiva de construir um amplo painel sobre a produção bibliográfica sobre a cidade, realizada nos dois últimos séculos.

Fonte: http://www.ub.es/geocrit/b3w-274.htm