O historiador Eric Hobsbawm - que tem sua trilogia (A Era das
Revoluções, A Era do Capital e A Era dos Extremos) reeditada no Brasil -
diz que o aniversário da queda do Muro de Berlim deveria motivar uma
discussão sobre o Ocidente pós-guerra fria. Defendendo suas convicções
marxistas, ele afirmou: "Me recuso a dizer que perdi a esperança". Para
Hobsbawn, o capitalismo chegou ao seu limite.
Quando Eric
Hobsbawm estava escrevendo "A Era do Capital" -lançado em 1975-,
explicou que fazia um imenso esforço para estudar algo que não lhe
agradava nem um pouco. Hoje, o historiador marxista diz ter o mesmo
sentimento, "eu não gostava da burguesia vitoriana e ainda não gosto,
embora apreciasse o dinamismo daquele tempo". À essa impressão, porém,
vem adicionando, nos últimos anos, mais uma, a nostalgia.
"Agora, quando comparo o século 19 com o 20, sinto simpatia pelo modo
como aqueles homens acreditavam no progresso. Foi um século de
esperança. E essa minha nostalgia cresce à medida que o tempo passa e
vejo, com pessimismo, o que vem acontecendo", diz.
Hobsbawm,
92, conversou com a Folha por telefone, de Londres, justamente sobre a
reedição no Brasil de sua trilogia sobre o século 19 ("A Era das
Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios"), já um clássico
da historiografia sobre o período, pela editora Paz e Terra -que também
relançará em 2010 outro título do historiador, "Bandidos".
Na
trilogia, Hobsbawm analisou o que chamou de "longo século 19", período
que vai de 1789 a 1914. Começa com as revoluções europeias que definiram
a expansão do capitalismo e do liberalismo no planeta -a Francesa e a
Industrial inglesa- e vai até as vésperas da Primeira Guerra Mundial.
Apesar dos ataques que sofre por ainda defender a bandeira do
comunismo, os três volumes de Hobsbawm são reimpressos todos os anos na
Inglaterra, tendo sua explicação sobre o tema se imposto como uma
espécie de cânone.
Hobsbawm é com frequência procurado para
comentar temas do presente -algo que seus críticos tampouco perdoam.
Agora, às vésperas do aniversário de 20 anos da queda do Muro de Berlim
(em novembro), seu conhecimento sobre os tempos que estudou e vivenciou,
assim como suas convicções políticas, são novamente trazidos ao debate.
"A queda do Muro foi o fim de uma era. Não só para a Europa
do Leste, mas para o mundo inteiro. O capitalismo chegou a seu limite e a
a crise econômica mundial indica claramente o fim de um ciclo."
Contudo, o historiador considera que as discussões sobre o episódio
estão muito centradas em tentar entender por que a experiência comunista
fracassou, quando o que deveria estar na pauta é o futuro do Ocidente.
Para ele, o mundo pós-Guerra Fria ainda não fez uma necessária
autocrítica.
Leia trechos da entrevista que Eric Hobsbawm concedeu à Folha:
O que mais deveria ser discutido no aniversário de 20 anos da queda do Muro de Berlim?
A celebração é oportuna porque o capitalismo agora chegou a seu limite.
A crise econômica mundial é o fim de um ciclo, que começou a ruir
quando caiu o Muro em Berlim. No Leste Europeu, vejo dificuldade em
rompimento com o legado comunista. Mas é o Ocidente quem deve refletir
mais sobre o que ocorreu na Guerra Fria e o que pode ser feito para
evitar um novo colapso.
As "Eras" são consideradas um
exemplo de boa análise histórica dedicada a um amplo período. O sr. acha
que falta ambição a historiadores hoje?
Para fazer
história com uma perspectiva maior, é preciso ser um intelectual maduro.
Hoje, os jovens historiadores gastam muito mais tempo em suas
especializações. Quando estão aptos a dar um passo maior, hesitam. A
história equivocadamente se afastou da "história total" que fazia
Fernand Braudel [1902-1985].
O sr. começa "A Era dos Impérios" contando uma história
autobiográfica (a do encontro de seus pais no Egito) e então propõe uma
reflexão sobre história e memória. Quão diferente foi escrever este
volume, que se refere a passagens mais próximas do seu olhar no tempo,
do que os anteriores?
Neste livro tive de trabalhar com o que chamo de "zona de penumbra",
onde se misturam nossas lembranças e tradições familiares com o que
aprendemos depois sobre determinado período. Não é fácil, pois trata-se
de um território de incertezas e em que há um elemento afetivo. Por
outro lado, trata-se de uma oportunidade de estimular aquele que lê a
pensar sobre como seu próprio passado está relacionado com a história.
Em seu novo livro ("Reappraisals"), o historiador britânico
Tony Judt escreveu um ensaio sobre o senhor ("Eric Hobsbawm and the
Romance of Communism"). Neste, mostra admiração por seu conhecimento,
mas faz uma severa crítica: "para fazer o bem no novo século, nós
devemos começar dizendo a verdade sobre o antigo. Hobsbawm se recusa a
mirar o demônio na cara e chamá-lo pelo nome". Como o sr. responderia a
seu colega?
A crítica de Judt não se justifica. O que ele quer é que eu diga que
estava errado. Em "A Era dos Extremos", eu encaro o problema, o critico e
condeno. Não tenho problemas em dizer que a Revolução Russa causou dor e
sofrimento à população russa. Porém, o esforço revolucionário foi algo
heroico. Uma tentativa de melhorar a sociedade como não se viu mais na
história. Me recuso a dizer que perdi a esperança.
O sr. havia dito, numa entrevista ao "Independent", que havia
alguns clubes dos quais não iria ser sócio nunca, referindo-se aos
intelectuais ex-comunistas. Ainda pensa assim?
Não vejo problema quando um intelectual, especialmente de países do
Leste Europeu, percebe que a democracia é melhor do que o sistema
autoritário em que vivia. É normal a mudança de posição quando surgem
fatos novos. O ex-comunista que condeno é aquele que antes militava em
grupos de esquerda e que hoje tem uma bandeira única, a de ser
anticomunista apenas, esquecendo-se do resto das ideias pelas quais
lutava. Também me entristece ver intelectuais jovens, que não passaram
pela história dessas lutas, repetindo e tentando tirar benefício desse
mesmo tipo de propaganda.
A América Latina está às vésperas de comemorar, em vários
países, os 200 anos do início das lutas de independência. Que análise
faz do atual momento?
A dependência econômica ainda é um fato, mas politicamente a América
Latina é cada vez mais livre. Washington jamais voltará a exercer a
influência de antes, tampouco a apoiar golpes ou ditaduras como fez no
passado. O que está acontecendo em Honduras é um sinal disso. O Brasil
tem papel central nesse processo, uma vez que o México se transforma
cada vez mais em apêndice dos EUA.
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