30 de set. de 2010

Clássicos da Geografia: Piort Kropotkin

Piort Kropotkin nasceu na Rússia czarina no ano de 1842. Geógrafo anarquista, Kropotkin realizou uma longa viagem a Sibéria, quando então participava do exército do czar Nicolas I. Esta viagem foi essencial para definir tanto sua posição política como também sua geografia. Durante sua vida, este geógrafo se comprometeu com seus ideais libertários. Sua contribuição para a Geografia perpassa o campo da geografia física e da geografia humana.

O que apresentamos hoje é a introdução daquela que talvez seja sua principal obra: A Ajuda Mútua. Obra, publicada em 1902, teve como principal alvo os "neo-darwinistas que transportaram para o campo social as idéias naturalistas da obra de Darwin como forma de legitimar o imperialismo de países europeus na época". Para isso, afirma que mais do que a luta entre espécies, é a ajuda mútua o elemento de maior importância na evolução das espécies. Isto porque seria pela ajuda mutua que garante a proteção e sobrevivência dos mais fracos. Em 8 de fevereiro de 1921 deixando uma rica contribuição à Geografia.

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INTRODUÇÃO
Dois aspectos característicos da vida animal da Sibéria Oriental e do Norte de Manchuria chamaram poderosamente minha atenção durante as viagens que, em minha juventude, realizei por essas regiões do Ásia Oriental.

Me chamou a atenção, por uma parte, a extraordinária dureza da luta pela existência que devem sustentar a maioria das espécies animais contra a natureza inclemente, bem como a extinção de grandes quantidades de indivíduos, que ocorria periodicamente, em virtude de causas naturais, devido ao qual se produzia extraordinária pobreza de vida e despopulação na superfície dos vastos territórios onde realizava eu minhas investigações.

A outra particularidade era que, ainda naqueles poucos pontos isolados onde a vida animal aparecia em abundância, não encontrei, apesar de ter procurado seus rastos, aquela luta cruel pelos meios de subsistência entre os animais pertencentes a uma mesma espécie que a maioria dos darwinistas (ainda que não sempre o mesmo Darwin) consideravam como o rasgo predominante e característica da luta pela vida, e como a principal força ativa do desenvolvimento gradual no mundo dos animais.

As terríveis tormentas de neve que açoitam a região norte de Ásia ao final do inverno, e o congelamento que com freqüência sucede à tormenta; as geadas, as nevascas que se repetem todos os anos na primeira quinzena de maio quando as árvores estão em plena floração e a vida dos insetos em seu apogeu; as ligeiras geadas temporãs e, as vezes, as nevascas abundantes que caem já em julho e em agosto, ainda nas regiões dos prados da Sibéria Ocidental, aniquilando, repentinamente, não só miríadas de insetos, senão também a segunda nidada das aves; as chuvas torrenciais, devidas as monções, que caem em agosto nas regiões temperadas do Amur e do Usuri, e se prolongam semanas inteiras e produzem inundações nas terras baixas do Amur e do Sungari em proporções tão grandes como só se conhece em América e Ásia Oriental, e, nos planaltos, grandíssimas extensões se transformam em pântanos comparáveis, por suas dimensões, com Estados europeus inteiros, e, por último, as abundantes nevascas que caem as vezes a princípios de outubro, devido às quais um vasto território, igual por sua extensão a França ou Alemanha, faz-se completamente inabitável para os ruminantes que perecem, então, por milhares; estas são as condições em que se sustenta a luta pela vida no reino animal do Ásia Setentrional.

Estas difíceis condições da vida animal já então atraíram meu atendimento para a extraordinária importância, na natureza, daquelas séries de fenômenos que Darwin chama “limitações naturais à multiplicação em comparação com a luta pelos meios de subsistência. Esta última, naturalmente, produz-se não só entre as diferentes espécies, senão também entre os indivíduos da mesma espécie, mas jamais atinge a importância dos obstáculos naturais à multiplicação A escassez da população, não o excesso, é o rasgo característico daquela imensa extensão do balão que chamamos Ásia Setentrional.

Portanto, já desde então comecei a abrigar sérias dúvidas, que mais tarde não fizeram senão confirmar-se, com respeito a essa terrível e suposta luta pelo alimento e a vida dentro dos limites de uma mesma espécie, que constitui um verdadeiro credo para a maioria dos darwinistas.

Exatamente do mesmo modo comecei a duvidar com respeito à influência dominante que exerce esta classe de luta, segundo as suposições dos darwinistas, no desenvolvimento das novas espécies.

Ademais, onde quer que atingia a ver a vida animal abundante e borbulhante como, por exemplo, nos lagos, onde, em primavera dezenas de espécies de aves e milhões de indivíduos se reúnem para chocarem suas crianças ou nas populosas colônias de roedores, ou bem durante a migração das aves que se produzia, então, em proporções puramente “americanas” ao longo do vale do Usuri, ou durante uma enorme emigração de gamos que tive oportunidade de ver no Amur, em que dezenas de milhares destes inteligentes animais fugiam de um território imenso, procurando salvar-se das abundantes neves caídas, e se reuniam em grandes rebanhos para atravessar o Amur no ponto mais estreito, no Pequeno Jingan; em todas estas cenas da vida animal que se desenvolvia ante meus olhos, via eu a ajuda e o apoio mútuo levado a tais proporções que involuntariamente me fez pensar, na enorme importância que deve ter na economia da natureza, para a manutenção da existência de cada espécie, sua conservação e seu desenvolvimento futuro.

Por último, tive oportunidade de observar entre o gado cornúpeta semi-selvagens e entre os cavalos na Transbaikalia, e em todas partes entre os esquilos e os animais selvagens em general, que quando os animais tinham que lutar contra a escassez de alimento devida a uma das causas já indicadas, então todo a parte da espécie a quem afetava esta calamidade saía da prova experimentada com uma perda de energia e saúde tão grande que nenhuma evolução progressista das espécies podia basear-se em semelhantes períodos de luta aguda. Devido às razões já expostas, quando mais tarde as relações entre o darwinismo e a sociologia atraíram meu atendimento, não pude estar de acordo com nenhum dos numerosos trabalhos que julgavam de um modo ou outro uma questão extremamente importante. Todos eles tratavam de demonstrar que o homem, graças a sua inteligência superior e a seus conhecimentos pode suavizar a dureza da luta pela vida entre os homens mas ao mesmo tempo, todos eles reconheciam que a luta pelos meios de subsistência de cada animal contra todos seus congêneres, e de cada homem contra todos os homens, é uma “lei natural”.

No entanto , não podia estar de acordo com este ponto de vista já que me tinha convencido antes de que, reconhecer a cruel luta interior pela existência nos limites de cada espécie, e considerar tal guerra como uma condição de progresso, significaria aceitar algo que não só não foi demonstrado ainda, senão que de nenhum modo é confirmado pela observação direta.

Por outra parte, tendo chegado a meu conhecimento a conferência “Sobre a lei da ajuda mútua”, do professor Kessler, então decano da Universidade de São Petersburgo, que pronunciou num Congresso de naturalistas russos, em janeiro de. 1880, vi que arrojava nova luz sobre toda esta questão. Segundo a opinião de Kessler, além da lei de luta mútua, existe na natureza também a lei de ajuda mútua, que, para o sucesso da luta pela vida e, particularmente, para a evolução progressiva das espécies desempenha um papel bem mais importante do que a lei da luta mútua.

Esta hipótese, que não é em realidade mais do que o desenvolvimento máximo das idéias anunciadas pelo mesmo Darwin em sua Origem do homem, pareceu-me tão justa e tinha tão enorme importância, que, desde que tive conhecimento disso (em 1883 , comecei a reunir materiais para o máximo desenvolvimento desta idéia que Kessler mal tocou, em seu discurso, e não teve tempo de desenvolver já que morreu em 1881.

Somente num ponto não pude estar completamente de acordo com as opiniões de Kessler Mencionava este os “sentimentos familiares” e os cuidados da descendência (veja-se capítulo 1) como a fonte das inclinações mútuas dos animais. Mas creio que o determinar quanto contribuíram realmente estes dois sentimentos ao desenvolvimento dos instintos sociais entre os animais e quanto os outros instintos atuaram no mesmo sentido constitui uma questão aparte, e muito complexa, à qual mal estamos, agora, em condições de responder.

Só depois que estabeleçamos bem os fatos mesmos da ajuda mútua entre as diferentes classes de animais e sua importância para a evolução poderemos determinar que parte do desenvolvimento dos instintos sociais corresponde aos sentimentos familiares e daí parte à sociabilidade mesma; e a origem da última, evidentemente, tem-se de procurar nos estádios mais elementares de evolução do mundo animal até, quiçá, nos “estádios coloniais”.

Devido a isto, dediquei todo meu atendimento a estabelecer antes de mais nada, a importância da ajuda mútua como fator de evolução, especialmente da progressiva, deixando para outros pesquisadores o problema da origem dos instintos de ajuda mútua na Natureza, A importância do fator da ajuda mútua -“se tão só pudesse demonstrar-se sua generalidade”- não escapou ao atendimento de Goethe, em quem de maneira tão brilhante se manifestou o gênio do naturalista. Quando, certa vez, Eckerman contou a Goethe -sucedia isto no ano 1827- que dois pichoncillos de “reyezuelo”, que se lhe tinham escapado quando matou à mãe, foram achados por ele, ao dia seguinte, num ninho de ruivos que os alimentavam asa par dos seus, Goethe se emocionou muito por este relato. Viu em isso a confirmação de suas opiniões panteístas sobre a, natureza e disse: “Se resultasse, verdade que alimentar aos estranhos é inerente à natureza toda, como algo que tem caráter de lei geral, muitos enigmas ficariam então resolvidos. Voltou sobre esta questão ao dia seguinte, -e rogou a Eckerman (quem, como é sabido, era zoólogo) que fizesse um estudo especial dela, agregando que Eckerman, sem dúvida, poderia obter “resultados valiosos e inapreciáveis” (Gespráche, edit. 1848, -tomo III, págs. 219, 221). <

Por desgraça, tal estudo nunca foi empreendido, ainda que é muito provável que Brehm, que reuniu em suas obras materiais tão ricos sobre a ajuda mútua entre os animais, poderia ter sido levado a esta idéia pela observação citada de Goethe. durante os anos 1878-1886 se imprimiram várias obras volumosas sobre a inteligência e a vida mental dos animais (essas obras se citam nas notas do capítulo I deste livro), três das quais têm uma relação mais estreita com a questão que nos interessa, a: saber: Lhes Sociétés animais, de Espinhas (Paris, 1887); A lutte pour I’existence et l’association pour a lutte, conferência de Lanessan (abril 1881); e o livro, cuja primeira edição apareceu no ano 1881 ou 1882, e a segunda, consideravelmente aumentada, em 1885.

Mas, apesar da excelente qualidade de cada uma, estas obras deixam, no entanto, ampla margem para uma investigação na que a ajuda mútua fora considerada não somente em qualidade de argumento em favor da origem prehumano dos instintos morais, senão também como uma lei da natureza e um fator de evolução.

Espinhas chamou especialmente o atendimento sobre as sociedades de animais (formigas, abelhas) que estão fundadas nas diferenças fisiológicas de estrutura dos diversos membros da mesma espécie e a divisão fisiológica do trabalho entre eles, e ainda que sua obra traz excelentes, indicações em todos os sentidos possíveis, foi escrita numa época em que o desenvolvimento das sociedades humanas, não podia ser examinado como podemos fazê-lo agora, graças ao volume de conhecimentos acumulado desde então.

A conferência de Lanessan tem mais bem o caráter de um plano geral de trabalho, brilhantemente exposto, como uma obra na qual fora examinado o apoio mútuo começando desde as rochas a orlas do mar, e passando ao mundo dos vegetais dos animais e dos homens.

Quanto à obra recém editada de Büchner, apesar de que induz à reflexão sobre o papel da ajuda mútua na natureza, e de que é rica em fatos, não estou de acordo com sua idéia dominante. O livro se inicia com um hino ao amor, e quase todos os exemplos são tentativas para demonstrar a existência do amor e a simpatia entre os animais. Mas, reduzir a sociabilidade dos animais ao amor e à simpatíasignifica restringir sua universalidade e sua importância, exatamente o mesmo que uma ética humana baseada no amor e a simpatia pessoal conduz nada mais que a restringir a concepção do sentido moral em sua totalidade.

De nenhum modo me guia o amor para o dono de uma determinada casa a quem muito com freqüência nem sequer conheço quando, vendo sua casa presa das chamas, tomo um cubo com água e corro para ela, ainda que não tema pela minha. Guia-me um sentimento mais amplo, ainda que é mais indefinido, um instinto, mais exatamente dito, de solidariedade humana; isto é, de caução solidária entre todos os homens e de sociabilidade.

O mesmo se observa também entre os animais. Não é o amor, nem sequer a simpatia (compreendidos no sentido verdadeiro destas palavras) o que induz ao rebanho de ruminantes ou cavalos a formar um círculo com o fim de defender-se das agressões dos lobos de nenhum modo é o amor o que faz que os lobos se reúnam em manadas para caçar; exatamente o mesmo que não é o amor o que obriga aos corderillos e aos gatinhos a entregar-se a seus jogos, nem é o amor o que junta as crianças outonais das aves que passam juntas dias inteiros durante quase todo o outono.

Por último também não pode atribuir-se ao amor nem à simpatia pessoal o fato de que muitos milhares de gamos, disseminados por territórios de extensão comparável à de França, reúnam-se em dezenas de rebanhos isolados que se dirigem, todos, para um ponto conhecido, com o fim de atravessar o Amur e emigrar a uma parte mais temperada da Manchuria. Em todos estes casos, o papel mais importante o desempenha um sentimento incomparavelmente mais amplo do que o amor ou a simpatia pessoal. Aqui entra o instinto de sociabilidade, que se desenvolveu lentamente entre os animais e os homens em decorrência de um período de evolução extremamente longo, desde os estádios mais elementares, e que ensinou por igual a muitos animais e homens a ter consciência dessa força que eles adquirem praticando a ajuda e o apoio mútuos, e também a ter consciência do prazer que se pode achar na vida social. <

Uma importância desta distinção poderá ser apreciada facilmente por tudo aquele que estude a psicologia dos animais, e mais ainda, a ética humana. O amor, a simpatia e o sacrifício de si mesmos, naturalmente, desempenham um papel enorme no desenvolvimento progressivo de nossos sentimentos morais. Mas a sociedade, na humanidade, de nenhum modo lhe criou sobre o amor nem também não sobre a simpatia.

Criou-se sobre a consciência -ainda que seja instintiva- da solidariedade humana e da dependência recíproca dos homens. Criou-se sobre o reconhecimento inconscientes semiconsciente da força que a prática comum de dependência estreita da felicidade de cada indivíduo da felicidade de todos, e sobre os sentimentos de justiça ou de equidade que obrigam ao indivíduo a considerar os direitos de cada um dos outros como iguais a seus próprios direitos.

Mas esta questão ultrapassa os limites do presente trabalho, e eu me limitarei mais do que a indicar minha conferência “Justiça e Moral”, que era contestação à Etica de Huxley , e na qual me referia esta questão com maior detalhe.

Devido a tudo, o dito anteriormente, Pensei que um livro sobre “A ajuda mútua como lei da natureza e fator de evolução” poderia encher uma lagoa muito importante. Quando Huxley publicou, no ano 1888 seu “manifesto” sobre a luta pela existência (“Struggle for Existence and its Bearing upon Man”) o qual, desde meu ponto de vista, era uma representação completamente infiel dos fenômenos da natureza, tais como os vemos nas taigas e as estepes, dirigi-me ao redator da revista Nineteenth Century rogando dar localização nas páginas, da revista que ele dirigia a uma critica cuidadosa das opiniões de um dos mais marcantes darwinistas, e Mr. James Knowles acolheu meu propósito com a maior simpatia por este motivo falei também, com W. Bates, com o grande “naturalista do Amazonas”, quem reuniu, como é sabido, os materiais para Wallace e Darwin, e a quem Darwin, com perfeita justiça, qualificou em sua autobiografia como um dos homens mais inteligentes que tinha encontrado. “sim, por verdadeiro; isso é verdadeiro darwinismo exclamou Bates, o que fizeram de Darwin é singelamente indignante. Escreva esses artigos e quando estejam impressos lhe enviarei uma carta que poderá publica.

Por desgraça, a composição destes artigos me ocupou quase sete anos, e quando o último foi publicado, Bates já não estava entre os vivos.

Depois de ter examinado a importância da ajuda mútua para o sucesso e desenvolvimento das diferentes classes de animais, evidentemente, estava obrigado a julgar a importância daquele mesmo fator no desenvolvimento do homem. Isto era ainda mais indispensável, porque existem evolucionistas dispostos a admitir a importância da ajuda mútua entre os animais, mas, ao mesmo tempo, como Herbert Spencer, negando-a ao com respeito ao homem. Para os selvagens primitivos -afirmam- a guerra de um contra todos era a lei dominante do a vida. Tratei de analisar neste livro, nos capítulos dedicados aos selvagens e bárbaros, até onde esta afirmação que com excessiva complacência repetem todos sem a necessária comprovação desde a época de Hobbes, coincide com o que conhecemos com respeito aos graus mais antigos do desenvolvimento do homem.

O número e a importância das diferentes instituições de ajuda mútua que se desenvolveram na humanidade obrigado ao gênio criador as massas selvagens e semi-selvagens, já durante o período seguinte da comuna aldeana, e também a imensa influência que estas instituições antigas exerceram sobre o, desenvolvimento posterior da humanidade até os tempos modernos, induziram-me a estender o caminho de minhas investigações aos períodos dos tempos históricos mais antigos. Especialmente me detive no período de maior interesse, o das cidades repúblicas, livres, da Idade Média, cuja universalidade e cuja influência sobre nossa civilização moderna não foi suficientemente apreciada até agora.

Por último, também tratei de indicar brevemente a enorme importância que têm ainda os costumes de apoio mútuo transmitidas em herança pelo homem através de um período extraordinariamente longo de seu desenvolvimento, sobre nossa sociedade contemporânea, apesar de que se pensa e se diz que descansa sobre o princípio: “cada um para si e o Estado para todos”, princípio que as sociedades humanas nunca seguiram por inteiro e que nunca será levado à realização, integralmente.

Quiçá se me objetará que neste livro tanto os homens como os animais estão representados desde um ponto de vista demasiado favorável: que suas qualidades sociais são marcantes em excesso, enquanto suas inclinações antisociais, de afirmação de si mesmos, mal estão marcadas. No entanto, isto era inevitável. Nos últimos tempos ouvimos falar tanto de “a luta dura e cruel pela vida que aparentemente sustenta cada animal contra todos os outros, cada selvagem contra todos os demais selvagens, e cada homem civilizado contra todos seus concidadinos semelhantes opiniões se converteram numa espécie de dogma, de religião da sociedade, que foi necessário, antes de mais nada opor uma série ampla de fatos que mostram a vida dos animais e dos homens completamente desde outro ângulo.

Era necessário mostrar, em primeiro lugar, o papel predominante que desempenham os costumes sociais na vida da natureza e na evolução progressiva, tanto das espécies animais como igualmente dos seres humanos.

Era necessário demonstrar que os costumes de apoio mútuo dão aos animais melhor proteção contra seus inimigos, que fazem menos difícil obter alimentos (provisões invernais, migrações, alimentação sob a vigilância de sentinelas, etc.), que aumentam o prolongamento da vida e devido a isto facilitam o desenvolvimento das faculdades intelectuais; que deram aos homens, aparte das vantagens citadas, comuns com as dos animais, a possibilidade de formar aquelas instituições que ajudaram à humanidade a sobreviver na luta dura com a natureza e a aperfeiçoar-se, apesar de todas as vicisitudes da história. Assim o fiz. E por isto o presente livro é livro da lei de ajuda mútua considerada como uma das principais causas ativas do desenvolvimento progressivo, e não a investigação de todos os fatores de evolução e seu valor respectivo. Era necessário escrever este livro antes de que fuer a possível pesquisar a questão da importância respectiva dos diferentes agentes da evolução.

E menos ainda, naturalmente, estou inclinado a menosprezar o papel que desempenhou a autoafirmação do indivíduo no desenvolvimento da humanidade.

Mas esta questão, segundo minha opinião, exige um exame bastante mais profundo que o que achou até agora. Na história da humanidade a autoafirmación do indivíduo com freqüência representou, e continua representando, algo perfeitamente marcante, e algo mais amplo e profundo do que essa mesquinha e irracional estreiteza mental do que a maioria dos escritores apresentam como “individualismo” e “autoafirmação”.

De modo semelhante, os indivíduos impulsores da história não se reduziram somente àqueles que os historiadores nos descrevem em qualidade de heróis. Devido a isto, tenho o propósito, sempre que seja possível, de analisar em detalhe, posteriormente, o papel que desempenhou a autoafirmación do indivíduo no desenvolvimento progressivo da humanidade Por agora, limito-me a fazer nada mais que a observação geral seguinte:

Quando as instituições de ajuda mútua isto é, a organização tribal, a comuna aldeana, as guildas, a cidade da idade média começaram a perder em decorrência do processo histórico seu caráter primitivo, quando começaram a aparecer nelas as excrecências parasitarias que lhes eram estranhas, devido ao qual estas mesmas instituições se transformaram em obstáculo para o progresso, então a rebelião dos indivíduos na contramão destas instituições tomava sempre um caráter duplo.

Uma parte dos rebeldes se começava em purificar as velhas instituições dos elementos estranhos a ela, ou em elaborar formas superiores de livre convivência, baseadas uma vez mais nos princípios de ajuda mútua; trataram de introduzir, por exemplo, no direito penal, o princípio de compensação (multa), em lugar da lei do Talión, e mais tarde, proclamaram o “perdão das ofensas”, isto é, um ideal ainda mais elevado de igualdade ante a consciência humana, em lugar da “compensação” que se pagava segundo o valor de classe do danificado.

Mas ao mesmo tempo, a outra parte desses indivíduos, que se rebelaram contra a organização que se tinha consolidado, tentavam simplesmente destruir as instituições protetoras de apoio mútuo a fim de impor, em lugar destas, sua própria arbitrariedade, acrescentar deste modo suas riquezas próprias e fortificar seu próprio poder.

Nesta tríplice luta entre as duas categorias de indivíduos, os que se tinham rebelado e os protetores do existente, consiste toda a verdadeira tragédia da história. Mas, para representar esta luta e estudar honestamente o papel desempenhado no desenvolvimento da humanidade por cada uma das três forças citadas, fará falta, pelo menos, tantos anos de trabalho como tive de dedicar a escrever este livro. Das obras que examinam aproximadamente o mesmo problema, mas aparecidas já depois da publicação de meus artigos sobre a ajuda mútua entre os animais, devo mencionar The Lowell Lectures on the Ascent of Man, por Henry Drummond, Londres, 1894, e The Origin and Growth of the Moral Instinct, por A. Sutherland, Londres, 1898. Ambos livros estão concebidos, em grau considerável, segundo o mesmo plano do livro citado de Büchner, e no livro de Sutherland lhe consideram com bastante detalhes os sentimentos paternais e familiares corno único fator no processo de desenvolvimento dos sentimentos morais. A terceira obra desta classe que trata do homem e está escrita segundo o mesmo plano é o livro do professor americano F. A. Giddings, cuja primeira edição apareceu no ano 1896, em Nova York e em Londres, sob o título The Principles of Sociology, e cujas idéias dominantes tinham sido expostas pelo autor num folheto, no ano 1894.

Devo, no entanto, deixar por completo à crítica literária o exame das coincidências similitudes e divergências entre as duas obras citadas e a minha.

Todos os capítulos deste livro foram publicados primeiramente na revista Nineteenth Century (“A ajuda mútua entre os animais”, em setembro e novembro de 1890; “A ajuda mútua entre os selvagens”, em abril de 1891; “ajuda mútua entre os bárbaros”, em janeiro de 1892; “A ajuda mútua na Cidade Medieval”, em agosto e setembro de 1884, e “A ajuda mútua na época moderna”, em janeiro e junho de 1896 . Ao publicá-los em forma de livro, pensei, num princípio, incluir em forma de apêndices a massa de materiais reunidos por mim que não pude aproveitar para os artigos que apareceram na revista, bem como o juízo sobre diferentes pontos secundários que tive que omitir.

Tais apêndices teriam duplicado o tamanho do livro, e me vi obrigado a renunciar a sua publicação ou, pelo menos, a adiá-la.

Nos apêndices deste livro está incluído somente o juízo sobre algumas poucas questões que foram objeto de controvérsia científica no curso destes últimos anos; do mesmo modo no texto dos artigos primitivos intercalei só o pouco material adicional que me foi possível agregar sem alterar a estrutura geral desta obra.

Aproveito esta oportunidade para expressar ao editor de Nineteenth Century, James Knowles, meu agradecimento, tanto pela amável hospitalidade que mostrou para a presente obra, mal se inteirou de sua idéia geral, como por sua amável permissão para a reimpressão deste trabalho

Bromley, Kent, 1902

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