5 de jun. de 2009

Alexander von Humboldt

Alexander Von Humboldt, nasceu na Alemanha em 14 de setembro de 1769. Considerado, junto com Karl Ritter, um dos fundadores da Geografia moderna dando a ela um objeto e um método próprio. "Comparando diferentes partes e reconhecendo-lhes a unidade, valendo-se tanto dos dispositivos da ciência racionalista como da filosofia da natureza e do romantismo, Humboldt cumpre uma análise geográfica holística". O fragmento abaixo é parte do prefácio de sua mais importante obra: O Cosmo.
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PREFÁCIO DE COSMOS

Ofereço aos meus compatriotas, no ocaso de minha vida, uma obra cujas idéias ocuparam meu espírito por um meio século. Freqüentemente eu a abandonei, duvidando de possibilidade de realizar um empreendimento assim, tão temerário: sempre, e talvez imprudentemente, eu acabava por voltar a ela e, desse modo, persisti em minha intenção original. Ofereço o “Cosmos”, que é uma “descrição física do mundo”, com a timidez que me inspira a justa desconfiança em relação às minas forças. Procurei esquecer que as obras esperadas por mais tempo são, geralmente, aquelas que o público acolhe com menos indulgência.
Em função das vicissitudes de minha vida e de um desejo de aprender dirigido para objetos muito variados, vi-me obrigado a me engajar, aparentemente de modo quase exclusivo e durante numerosos anos, no estudo de ciências especiais como a Botânica, a Geologia, a Química, ou no estudo de questões como as das posições dos astros e do magnetismo terrestre. Foram estudos preparatórios para fazer, com utilidade, viagens longínquas, todavia, eu tinha, nesses estudos, um objetivo mais elevado. Eu desejava compreender o mundo dos fenômenos e das forças físicas em sua conexão e em sua influência mútua. Beneficiando-me, desde o começo de minha juventude, dos conselhos e da boa vontade de homens superiores, desde muito cedo fui tomado de uma crença íntima de que, sem o desejo de conseguir uma instrução sólida nas partes especiais das ciências naturais, toda contemplação da natureza em escala maior, toda tentativa de compreender as leis que compõem a física do mundo, não passariam de um empreendimento vão e quimérico.
Os conhecimentos especiais, pelo próprio encadeamento das coisas, assimilam-se e fecundam-se mutuamente. Quando a Botânica descritiva não fica circunscrita aos estreitos limites do estudo das formas e de sua reunião em gêneros e em espécies, ela conduz o observador que percorre, sob diferentes climas, vastas extensões continentais, montanhas e planaltos, às noções fundamentais da “Geografia das Plantas”, à explicação da distribuição dos vegetais, de acordo com a distância do equador e com a elevação do acima do nível dos mares. Ora, para compreender as causas complicadas das leis que regulam esta distribuição, é preciso aprofundar os conhecimentos das variações da temperatura que o solo irradia e do oceano que envolve o globo. É assim que o naturalista, ávido de instrução, é conduzido de uma esfera de fenômenos a uma outra esfera que limita os efeitos daquela. A Geografia das plantas, cujo nome era praticamente desconhecido há meio século, apenas ofereceria uma nomenclatura árida e desprovida de interesse se ela não fosse esclarecida pelos estudos meteorológicos.
Nas expedições científicas, poucos viajantes tiveram, na mesma proporção que eu próprio, a vantagem de ter não somente visto as costas litorâneas, como ocorre nas viagens em torno do mundo mas, também, a de haver percorrido o interior de dois grandes continentes em extensões consideráveis, e naqueles lugares em que esses continentes apresentam os contrastes mais chocantes, a saber, a paisagem tropical e alpina do México ou da América do Sul, e a paisagem das estepes da Ásia boreal. Empreendimentos dessa natureza tiveram por resultado, em razão da tendência do meu espírito para as tentativas de generalização, a vivificação de minha coragem, e o excitamento a correlacionar, em uma obra à parte, os fenômenos terrestres e aqueles que incluem os espaços celestes.
A composição de uma tal obra, se ela aspira a juntar ao mérito de fundo científico aquele da forma literária, apresenta grandes dificuldades. Trata-se de levar a ordem e a luz à imensa riqueza dos materiais que se oferece, à reflexão, sem tirar dos quadros da natureza o sopro que os vivifica; pois se nos limitássemos a oferecer resultados de caráter geral, arriscar-nos-íamos a sermos tão monótonos, quanto através da exposição de uma imensa quantidade de fatos particulares. Eu não ouso me gabar de ter satisfeito a essas condições tão difíceis de serem satisfeitas, e de ter evitado as dificuldades cuja existência apenas posso mostrar.
A frágil esperança que tenho, de obter a boa vontade do público, repousa no interesse, testemunhado por tantos anos, em relação a uma obra que foi publicada pouco tempo depois de meu retorno do México e dos Estados Unidos, sob o título “Quadros da Natureza”. Este pequeno livro, escrito originalmente em Alemão, e traduzido em Francês, graças a um raro conhecimento dos dois idiomas, por meu velho amigo, M. Eyrès, trata de algumas partes da Geografia Física, tais como a fisionomia dos vegetais, as savanas, os desertos, e os aspectos das cataratas, todos de pontos de vista gerais. Se ele teve alguma utilidade, foi menos pelo que ele pode oferecer de seus próprios méritos, do que pela influência que ele exerceu sobre o espírito e a imaginação de uma juventude ávida de saber e pronta a se lançar em empreendimentos longínquos. Procurei mostrar no “Cosmos”, como nos “Quadros da natureza”, que a descrição exata e precisa dos fenômenos não é, absolutamente, inconciliável com a descrição animada e viva das cenas imponentes da criação.
Expor em cursos públicos as idéias que se acreditam novas pareceu-me, sempre, o melhor meio de tomar consciência do grau de clareza que é possível desenvolver sobre essas idéias: além disso, experimentei este meio em duas línguas diferentes, em Paris e em Berlim. Os cadernos de notas foram redigidos, nessas ocasiões, por ouvintes inteligentes, continuam desconhecidos para mim. Preferi não consultá-los.
A redação de um livro impõe obrigações bem diferentes daquelas advindas da exposição oral em um curso público. Com a exceção de alguns fragmentos da introdução ao “Cosmos”, tudo foi escrito nos anos de 1844. O curso desenvolvido diante de dois auditórios de Berlim, em sessenta lições, foi anterior à minha expedição ao norte da Ásia.
O primeiro volume desta obra (Cosmos) compreende, ao meu ver, a parte mais importante de todo meu projeto, isto é, um quadro da natureza apresentando o conjunto dos fenômenos do universo, desde as nebulosas planetárias, ate a Geografia das Plantas e dos Animais, e terminando pelas raças dos homens. Este quadro é precedido de considerações sobre os diferentes graus de satisfação que oferecem o estudo da natureza e o conhecimento de suas leis. Os limites da ciência do “Cosmos” e o método segundo o qual procuro expô-la são aí, igualmente, discutidos. Tudo o que diz respeito ao detalhe das observações dos fatos particulares, e às rememorações da antigüidade clássica, fonte eterna de instrução e de vida, está concentrado nas notas colocadas na parte final de cada volume.
Freqüentemente se faz a observação, pouco consoladora na aparência, de que tudo que não tem suas raízes nas profundezas da reflexão, do sentimento e da imaginação criadora, que tudo que depende do progresso da experimentação das revoluções que fazem sentir às teorias físicas o aperfeiçoamento crescente dos instrumentos, e a esfera, cada vez mais ampliada, da observação, não tarda a envelhecer. As obras sobre as ciências da natureza carregam, assim, nela próprias, um germe de destruição, de tal sorte que, em menos de um quarto de século, em função da rápida marcha das descobertas, elas estão condenadas ao esquecimento, tornando-se ilegíveis para quem quer que esteja à altura do presente. Estou longe de negar a justeza de tais reflexões, mas penso que aqueles que, através de um longo e íntimo intercâmbio com a natureza, foram penetrados do sentimento de sua grandeza, aqueles que, neste intercâmbio salutar, fortaleceram, simultaneamente, seu caráter e seu espírito, não se afligiram, simultaneamente, seu caráter e seu espírito, não se afligiram ao ver que a natureza é cada vez mais e melhor conhecida, ao ver estender-se incessantemente o horizonte de idéias, assim como dos fatos conhecidos. E há ainda mais: no estado atual de nossos conhecimentos, partes muito importantes da física do mundo estão assentadas em fundamentos sólidos. Uma tentativa de ligar o que, em uma certa época, foi descoberto sobre os espaços celestes, à superfície do globo, e à pequena extensão que nos é permitido perceber em suas profundezas, poderia, se não me engano, quaisquer que sejam os progressos da ciência, oferecer ainda algum interesse, se essa tentativa conseguisse retratar com vivacidade uma parte ao menos do que o espírito do homem percebe de generalizável, de constante, de eterno, no meio das aparentes flutuações dos fenômenos do universo.
Alexander von Humboldt, Novembro de 1844

Traduzido pelo Prof. Oswaldo Bueno Amorim Filho de:
HUMBOLDT, Alexander von: Cosmos - Essai d'une decription physique du monde. Paris, guide et cie., Libraires Éditeur, 1847.

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