3 de fev. de 2010

LIvro: O pensamento geográfico brasileiro. Vol. 1

APRESENTAÇÂO

Este livro dá seqüência às reflexões e propostas de Para onde vai o pensamento geográfico?. E tem uma história. Tenho notado nos debates de temas como globalização, meio ambiente, arranjos espaciais determinantes da organização estrutural de nossas sociedades, conflitos de territorialidades, uma curiosidade do público participante com as fontes originárias das teorias que os embasam e a surpresa agradável de saber que essas fontes são os clássicos da Geografia. Curiosidade e surpresa seguidas de um enorme interesse em conhecer as obras em que esses clássicos da Geografia externam suas idéias. Esse interesse geral em conhecer a literatura geográfica básica vem aumentando o interesse doméstico também dos geógrafos, entre os quais principalmente os professores da rede escolar e universitária e os estudantes de graduação e pós-graduação, estimulados por um diálogo público que está sempre crescendo.

Daí a estrutura deste livro. Seu objetivo é contribuir, para dentro e para fora da Geografia, para o crescimento deste diálogo, oferecendo alternativas que sanem a dificuldade de acesso à bibliografia procurada e dando subsídios à sua leitura crítica. Para isso, escolhi sete dentre os geógrafos que tiveram papelchave na formação da Geografia brasileira – Elisée Reclus, Paul Vidal de La Blache, Jean Brunhes, Max Sorre, Pierre George, Jean Tricart e Richard Hartshorne – e uma obra para base do estudo, uma para cada clássico, optando pelas obras disponíveis em língua portuguesa e espanhola e representativas do seu pensamento. A influência desses clássicos sobre a formação da Geografia brasileira – chamo-os por isso matrizes clássicas originárias – é o critério da escolha. A intenção é desembocar seu estudo na análise das matrizes geográficas brasileiras.

O livro está dividido em três partes. A primeira parte traça o quadro da formação histórica da Geografia moderna e da Geografia clássica dentro dela, analisa o conceito e o contexto do que aqui se entende por clássicos e a razão de por que assim nomeá-los e oferece um conceito de matriz em Geografia à luz dos comentários críticos do que se chama a tradição de escolas e tradição de geografias setoriais. Para facilitar, pensando num diálogo simultâneo com o leitor dentro do livro, apresento na segunda parte um resumo crítico de cada obra escolhida, tomando por base o que entendo exprimir o núcleo lógico do pensamento nela desenvolvido, às vezes transcrevendo pedaços inteiros do texto original quando é preferível deixar a palavra ao próprio autor. A terceira parte, por fim, faz o balanço analítico das idéias dos autores, comparando seus conceitos e enfoques, mostrando seus alinhamentos, estabelecendo os entrecruzamentos e correspondências de epistemologias e apresentando o quadro sintético do modelo matricial de cada um.

Pede-se atenção especial para o método de síntese utilizado. A síntese é, no fundo, uma leitura do livro feita a partir do que se entende por seu nexo discursivo (seu núcleo racional). Corre-se, assim, o risco de, na prática, torcerse o pensamento original do autor, adulterando-se o seu conteúdo real com o fim de adequá-lo a uma interpretação que se quer fazer. É um risco, certamente. Mas talvez haja também a vantagem de poder estimular o leitor a ir ao livro original, lê-lo na sua integralidade, ajudando-o a quebrar a inibição do contato direto com o clássico e, assim, também saborear, como eu, o livro em sua frescura (muito embora já sabendo tratar-se de uma tradução). E, quem sabe, através dele toda a obra do clássico. Não é preciso dizer o quanto isto é necessário na Geografia brasileira, ausente, literalmente, desse hábito.

O leitor é convidado, assim, a conferir ele mesmo a atualidade e influência desses clássicos no pensamento recente, na e para além do âmbito imediato da Geografia. E, então, descobrir que muitos conceitos e teorias atuais já se encontravam neles, a exemplo da teoria da complexidade de Edgar Morin, Henri Atlan, Isabelle Stengers e Ilya Prigogine, já presente em Max Sorre; da construção técnica do espaço de Milton Santos, já presente em Pierre George; do meio técnico e científico, também de Milton Santos, já presente no conceito de gênero e modo de vida de Vidal de La Blache; do movimento do real como instituição da diferença de Jules Deleuze e Jacques Derrida, já presente na teoria da diferenciação de áreas de Alfred Hettner e Richard Hartshorne; da Terra como um produto da interação dos seres vivos com o meio físico no planeta da teoria Gaia de James Lovelock, já presente no conceito de meio geográfico de Jean Tricart; da superfície terrestre como morada do homem dos ambientalistas, já presente em Vidal de La Blache, Jean Brunhes, Max Sorre e Richard Hartshorne; dos conflitos sociais entre os povos de vida comunitária (a exemplo de comunidades indígenas, camponesas e quilombolas) e o modo de vida e produção do capitalismo que hoje domina a teoria social brasileira, já presente em Elisée Reclus.

O leitor em questão é múltiplo. É o estudante universitário, o acadêmico e o professor da escola, em seu afã de ir ao encontro da Geografia – sobretudo se não lhes foi oferecido o contato vivo e direto com a obra dos clássicos – em suas próprias raízes. Mas é também o público em geral, interessado em conhecer a bibliografia e a essência do pensamento geográfico e assim nela encontrar uma chave de teorização dos temas atuais, atraindo-o para o conhecimento direto de sua literatura. À exceção dos livros de Reclus e Sorre, acessíveis somente em espanhol, todos os demais estão disponíveis em língua portuguesa, em edição brasileira ou portuguesa, mas de fácil acesso nas bibliotecas do Brasil. Além de que já se dispõe de um bom número de estudos das obras e dos clássicos, os aqui selecionados e outros, escritos e publicados por colegas brasileiros, indicados na bibliografia ao final do livro. Oxalá este livro estimule também sua multiplicação.

Ruy Moreira, 2008.

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