23 de ago. de 2010

Sugestão: pesquisa

Algumas sugestões para pesquisas:

1. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
www.ipea.gov.br
www.ipea.gov.br/geo (O programa permite ao usuário ordenar e visualizar dados em seu contexto geográfico, seja por região, estado, município, ou área do mapa)

2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísitca (IBGE)
www.ibge.gov.br

3. Departamento Intesindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)
http://www.dieese.org.br/

4. Ministério do Trabalho e emprego
www.mte.gov.br

5. Banco de dados do Sistema Único de Saúde - DataSus
www.datasus.gov.br

6. Banco de Dados da Luta pela Terra - DATALUTA
www.fct.unesp.br/nera

7. Relação Anual de Informações Sociais - RAIS
http://www.rais.gov.br/

8. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA
http://www.incra.gov.br/portal/

9. Fundação Getúlio Vargas
www.fgv.gov.br

10. Núcleo de Estudos e Modelos Espaciais Sistêmicos - Nemesis
http://www.nemesis.org.br/

11. Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados - Seade
http://www.seade.gov.br/

12. Fundação João Pinheiro (MG)
http://www.fjp.gov.br

13. Centro de Pesquisas Sociais da UFJF 
http://www.cps.ufjf.br/wpcps/

14. Instituto Polis
www.polis.org.br

15. Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase
www.ibase.br

16. Observatório dos conflitos urbanos do Rio de Janeiro
http://www.observaconflitos.ippur.ufrj.br/novo/ajax/indexajax2.asp

17. Observatório das metrópoles
http://web.observatoriodasmetropoles.net/

18. Instituto Pereira Passos - Rio de Janeiro
http://www.rio.rj.gov.br/ipp/

15 de ago. de 2010

Cinema e Geografia: "Que viva México!"

Que viva México é o filme não concluido do cineasta soviético Sergei Eisenstein. O filme, cujas gravações ocorreram no início da década de 1930 no México, pretendia ser o retrato daquele país desde a época pré-hispânica até à revolução mexicana. Em 1973, anos após a morte do cineasta, o filme foi montado. São "quatro episódios mais um prólogo e um epílogo. O prólogo apresenta imagens alegóricas ao México pré-hispânico. O episódio "Sandunga" recria os preparativos de uma boda indígena em Tehuantepec. "Fiesta" aborda o ritual da "fiesta brava", enquanto "Maguey" encena a tragédia de um camponês vitimado por se rebelar contra o seu patrão. "Soldadera" (episódio não filmado) apresentaria o sacrifício de uma mulher revolucionária. O epílogo, também conhecido como "Dia de mortos", refere-se ao sincretismo das diversas visões que coexistem no México à volta do tema da morte".

4 de ago. de 2010

Apresentação - Pensamento geográfico brasileiro v.3

Pensamento geográfico brasileiro v. 3
Ruy Moreira

Apresentação

Com este volume se completa a trilogia – na verdade, uma tetralogia que se inicia com Para onde vai o pensamento geográfco? – com a qual pretendemos formar um quadro analítico da evolução do pensamento geográfco brasileiro. A difculdade de montar esse painel pode ser observada ao longo do livro. Todo trabalho de epistemologia crítica supõe uma base de história das ideias que não se dispõe para o pensamento geográfco brasileiro. Há estudos parciais, voltados para a reconstituição da evolução de setores, que o leitor encontra na bibliografa.
Todo o suporte que utilizamos foi, assim, a própria literatura geográfca brasileira. E isso exigiu um enorme esforço de sistematização. Mas, sobretudo, uma pertinaz atenção para não confundirmos o livro com um estudo da Geografa do Brasil, que em geral forma o conteúdo de quase todos os textos encontrados. Veríssimo Pereira advertia para a necessidade de traçar essa diferença. O que nos obrigou a uma peranente vigilância de fronteira entre um tema e outro. Mesmo assim, foi impossível não ultrapassar a linha. O leitor perceberá isso em várias passagens do livro. Em consequência, uma massa de anotações sobre a Geografa do Brasil contida nos textos lidos se acumulou em paralelo. Fruto do método de seleção de conteúdo adotado. E do projeto de um outro livro que, no decurso da elaboração deste, acabou surgindo.
Toda uma atenção particular foi dada também ao critério de seleção das leituras. A literatura geográfca brasileira é maior do que supomos, além de absolutamente heterogênea e dispersa. Acresce que resolvemos nela incluir também a vasta literatura de viajantes, cronistas e naturalistas, para cuja contemplação mais criteriosa fomos levados ao recurso de estabelecer previamente uma distinção entre Geografa informal e formal que fzesse valer para as obras da literatura colonial o mesmo campo de fundamento epistemológico que o conceito acadêmico estabelece como válido paraconsiderar as obras do saber especializado. Foi com base nesse conceito e critério distintivos que incorporamos as obras da primeira ao lado da segunda. Deixamos ao leitor o julgamento.
Optamos por contemplar no livro os textos que melhor abrigassem em suas análises a tese da herança discursiva dos problemas provindos dos embates que envolveram a Geografa e a Sociologia no ambiente intelectual francês do começo do século xx, que permeia a refexão crítica de toda a trilogia. E, entre eles, particularmente os que se defrontaram com os efeitos epistemológicos desse bloqueio diante da tarefa
de a Geografa brasileira oferecer à sociedade nacional uma teoria de Brasil explicada geografcamente. Muitos livros e textos de periódicos fcaram, assim, excluídos. Provavelmente alguns foram inadequadamente incluídos. Seja como for, também deixamos o julgamento para o leitor.
O livro está dividido em cinco partes. Na primeira fazemos o retrospecto da herança intelectual de nossas relações com a Geografa mundial da qual viemos e que analisamos nos dois primeiros volumes. Na segunda analisamos as obras que espelham aquilo que poderíamos chamar de um pensamento geográfco brasileiro.
Na terceira buscamos mostrar sete livros centrados na questão de teorizar o geral, dos quais se pode apreender o miolo criativo do pensamento brasileiro. Na quarta mostramos os entrecruzamentos da literatura aqui analisada entre si e com a literatura mundial, abordada nos volumes anteriores. A quinta e última parte é o capítulo conclusivo da trilogia.
Com esta tetralogia, o leitor brasileiro dispõe de um painel analítico o mais amplo possível sobre nossas origens discursivas nacionais e mundiais e o modo como delas temos sido também sujeitos. E se através dela for possível aumentarmos esse compartilhamento mundial e brasileiro de compreender o mundo com os olhos da Geografa, teremos atingido nosso propósito.

Sumário - Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica

Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica
Edward W. Soja

SUMÁRIO

1. História: Geografia: Modernidade
1.1. Localizando as origens das geografias pós-modernas
1.2. A desconstrução e a reconstituição da modernidade
2. Espacializações: a Geografia marxista e a Teoria Social Crítica
2.1.Descobrindo as raízes: a espacialiade na tradição marxista francesa
2.2. Acrescentando Marx à geografia moderna: a primeira crítica
2.3. A inversão provocadora: acrescentando uma geografia ao marxismo ocidental
2.4. Passagens para a pós-modernidade: a reconstrução da geografia humana crítica

3. A dialética sócio-espacial
3.1. Espacialidade: a organização do espaço como produto social
3.2. A definição da problemática espacial

4. Debates urbanos e regionais: a primeira rodada
4.1. A problemática espacial urbana
4.2. A problemática espacial regional e internacional

5. Reafirmações: rumo a uma ontologia espacializada
5.1. Materialidade e ilusão na conceituação do espaço
5.2. De volta à ontologia: da espacialidade existencial do ser

6. Espacializações: uma crítica da versão Giddensiana
6.1. Duplicando a hélice: o espaço-tempo e Anthony Giddens
6.2. A constituição da sociedade e a reconstituição da teoria social

7. A Geografia histórica da restruturação urbana e regional
7.1. Observações sobre o conceito de reestruturação
7.2. As regiões no contexto: da "reestruturação" e da "questão regional"
7.3. A reestruturação e a evolução da forma urbana
7.4. Algumas conclusões e continuidades contemporâneas

8. Tudo se junta em Los Angeles
8.1. O cenário contemporâneo
8.2. Uma breve referência histórica
8.3. A reestruturação espacial de Los Angeles
8.4. Encontrar outros espaços?

9. Decompondo Los Angeles: Rumo a uma Geografia Pós-moderna
9.1. Um giro por Los Angeles
9.2. De volta ao centro
9.3. Posfácio

Bibliografia

Índice remissivo

1 de ago. de 2010

O espaço geográfico como categoria filosófica

O espaço geográfico como categoria filosófica

Milton Santos


Desde que se escreveram as primeiras filosofias, a noção de espaço e a noção de tempo constituíram uma preocupação dominante. Não foi Aristóteles quem escreveu que "aquilo que não está em nenhuma parte não existe?" Bem mais próximo de nós, Ernst Cassirer (1957, vol. 3, p. 150) considera que "não há uma só criação do espírito humano que não esteja, de alguma forma, relacionada com o mundo do espaço e que não busque, de alguma maneira, sentir-se à vontade dentro dele. Tentar conhecer este mundo e dar o primeiro passo no sentido da objetivação, através da apreensão e da determinação do ser".

Os primeiros geógrafos, isto é, aqueles que se ocupavam do espaço geográfico, antes de a geografia ser inventada como ciência, eram igualmente filósofos, tal como Estrabão, para quem, aliás, "a utilidade da geografia pressupõe que o geógrafo seja também um filósofo, o homem que se preocupa com a investigação da arte da vida, isto é, com a felicidade". Segundo Hegel (Enciclopédia, 246) "o que hoje se chama Física chamava-se antigamente Filosofia da Natureza". E Bertrand Russel no seu ABC da Relatividade (1974, p. 209) lembra que a geografia fora incluída como uma parte da física. Para o filósofo inglês, "pode-se dizer, falando de uma forma geral, que a física tradicional se divide em duas partes: verdades evidentes c geografia".

Desde, porém, que a natureza é uma natureza humanizada, a explicação não é física, mas social. A geografia deixa de ser urna parte da física, uma filosofia da natureza, para ser uma filosofia das técnicas. As técnicas são aqui consideradas como o conjunto dc meios de toda espécie dc que o homem dispõe, cm um dado momento, c dentro dc uma organização social, econômica e política, para modificar a natureza, seja a natureza virgem, seja a natureza já alterada pelas gerações anteriores.

Cada coisa é um modo de produção e os modos dc produção se realizam por intermédio das técnicas, cujo número é grande: técnicas produtivas, técnicas sociais, técnicas políticas, etc. Mas, nenhuma sociedade utiliza técnicas que sejam exclusivamente originárias de um só momento histórico. Não vemos, a cada dia, em nossas ruas, o transporte dc mercadorias no lombo dc burros ou utilizando caminhões do último modelo? Não utilizamos meninos de recado paralelamente ao telex? Não se fabricam ainda hoje - e felizmente - de forma artesanal, alimentos que datam dos princípios dc nossa história como povo, c ao mesmo tempo nos utilizamos dc enlatados cujo preparo e cujo gosto são semelhantes aos dos países mais avançados neste assunto?

As técnicas devem ser estudadas na sua coabitação em um lugar, mas também na sua sucessão. Aqui, uma vez mais, as noções de espaço e de tempo se conjugam. Isto é fundamental para podermos interpretar a seqüência das relações entre o homem e a natureza, as formas de sucessão das forças produtivas e das relações de produção ligadas à história de uma determinada área: esse método é o único que nos permite definir corretamente uma sociedade e um espaço.

Uma leitura "geográfica" dc certas obras filosóficas (não apenas marxistas) seria rica de ensinamentos: por exemplo, certos textos de Cassirer, mas também d'Arcy-Thompson, Jakubowsky, Lukáes, Kuber etc. Damos um lugar a parte a Lefébvre. Para ajudar-nos na formulação teórica e epistemológica do espaço humano, a quase tudo o que ele escreveu recentemente com referencia explícita ao espaço, preferimos sua
Critique de la Vie Quotidienne, escrita há quase trinta anos. Este trabalho, de resto, aproxima-se do estudo de Sartre sobre a Crítica da Razão Dialética ou mesmo sobre O Ser e o Nada. É difícil dizer (e aliás desnecessário) qual dos dois poderá contribuir mais de perto para a elaboração de uma filosofia e uma epistemologia do espaço humano. Não se trata, de fato, de esperar que os filósofos profissionais digam o que é preciso fazer em filosofia da geografia. Como Sartre nos lembra, é chegado o tempo cm que cada disciplina constrói sua própria filosofia. Esta será talvez menos uma filosofia espontânea dos sábios, na concepção de Althusser, do que uma epistemologia-filosofia, segundo Piaget.

Mas a geografia deve ser pensada de dentro, isto e, a partir do espaço. Por isso, a aplicação de conceitos filosóficos exteriores ao fato que se quer pensar não pode ajudar-nos. Um exemplo dessa utilização de conceitos buscados no discurso filosófico, mas cuja aplicação ao real deixa a desejar, é dado por Amadeo e Golledge (1975) no capítulo consagrado aos objetivos da pesquisa geográfica. O correto e partir da própria realidade e não buscar legitimar conceitos empírico-abstratos, cujo uso, aliás, e já antigo em geografia, trazendo-lhes a ajuda de conceitos filosóficos claramente expressos pelos seus autores, mas criados para situações diferentes c enunciados em um contexto diverso. A teoria geográfica tem de ser buscada nó seu domínio próprio: o espaço. A filosofia pode ser um guia, mas os filósofos não nos oferecem respostas a priori, como aqueles dois autores erroneamente pensaram.

A falta de "prática" das disciplinas particulares é, tal como Foucault escreveu no número inaugural de Hérodote, um obstáculo a que os filósofos "generalistas" possam verdadeiramente guiar os geógrafos em suas análises do espaço. E talvez a principal dificuldade quando se lêem trechos de Bachelard ou mesmo de Lefebvre (exemplo: A Produção do Espaço, 1975). Não se pode pedir ao filósofo para escrever em um jargão de geógrafo. Mas Lefebvre fez sugestões bem explícitas: ver por exemplo em seu livro Le Temps des Méprises (1975) sua proposição de um espaço-análise.

Sem dúvida a palavra filosofia assusta, de um lado porque ela é, numa acepção pejorativa, freqüentemente confundida com a metafísica: entre os que se dizem preocupar com o concreto das coisas, muitos imaginam que o esforço dc abstração pode ser feito fora do concreto e mesmo contra o concreto. E a concretude da abstração está na base mesma da realização dos nossos mínimos atos como ser social. Sem abstraçãonão poderia haver linguagem nem produção. Quando falamos nas coisas mais triviais, não estamos adjetivando as infinitas modalidades, mas nos referimos ao gênero. Não fora assim e seríamos incapazes de comunicar o nosso pensamento ao vizinho.

A filosofia, assim considerada, nem e mesmo, na verdade, um privilégio dos filósofos (profissionais), porque assim como A. Gramsci nos recorda, ela é, também, elaborada pelo povo. "li preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil por ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de especialistas ou de filósofos profissionais e sistemáticos. Por conseguinte é preciso começar demonstrando que todos os homens são filósofos, defendendo os limites dessa filosofia espontânea, própria de lodo mundo, ou seja, a filosofia contida: a) na própria linguagem que é um conjunto de noções e de conceitos determinados e não só arrumação de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo; b) no senso comum e no bom senso; c) na religião popular e, conseqüentemente, em todo o sistema de crenças, de superstições, de opiniões, de modos de ver e de atuar, que se incluem no que, em geral, se chama de folclore" (A. Gramsci, 1972, p. 11). A filosofia que nos devia preocupar é aquela autoconsciência da época histórica, à qual se referiu Th. Oizerman (1973, ch. 6).

O espaço resultado da produção, e cuja evolução é conseqüência das transformações do processo produtivo em seus aspectos materiais ou imateriais, é a expressão mais liberal e também mais extensa dessa praxis humana, sem cuja ajuda a existência não pode ser entendida. Assim, o pensamento espacial não se pode fazer fora da busca de uma compreensão do fato tal qual se dá, mas uma busca que vai além da apresentação e nos permite chegar à representação.

Elementos para a construção de uma filosofia da geografia

Uma filosofia da geografia deve-se alimentar, em primeiro lugar, da noção de totalidade. Paul Vidal de La Blache, e Frederic Ratzel, vulgarizaram a noção de unidade terrestre, que Carl Ritter antes deles havia estabelecido. Trata-se, de fato, da noção filosófica de natureza como o conjunto de todas as coisas, conjunto coerente, onde ordem e desordem se confundem nesse processo de totalização permanente pelo qual uma totalidade evolui para tornar-se outra. O princípio da totalidade é básico para a elaboração de uma filosofia do espaço do homem. Ele envolve a noção de tempo e isso nos permite reconhecer a unidade de movimento, responsável pela heterogeneidade com que as coisas se apresentam diante de nós.

Desse modo, abarcamos a idéia de continuidade e descontinuidade e a idéia de unidade e multiplicidade. Assim abraçamos também a noção de passagem do presente ao futuro. O espaço humano, aliás, revela claramente, e ao mesmo tempo, o passado, o presente e o futuro. Passado e presente nele se dão as mãos, através de um funcionamento sincrônico que elimina a pseudocontradição entre história e estrutura. O futuro, para que se possa realizar, aproveita as condições preexistentes. Quanto à noção de escala, ela se impõe porque a Natureza não se apresenta, jamais, dc forma homogênea c deixa perceber suas frações: território nacional, região, lugar. Sem a noção de escala e sua base epistemológica que tanto deve à idéia dc tempo, não saberíamos o que fazer diante do todo social espacializado e que nos chega todavia em forma fraccionada, como sub-espaços.

Desse modo, suscitamos o problema da subdivisão da totalidade em suas partes e temos dc encontrar os instrumentos de trabalho adequados, para dar conta da parte sem desintegrar a totalidade. As noções de estrutura, processo, função e forma, essas velhas categorias filosóficas e velhas categorias analíticas devem ser retrabalhadas para que, neste particular, possam prestar novos serviços à compreensão do espaço humano e à constituição adequada de sua respectiva ciência. Ademais, esses instrumentos nos permitem tomar como ponto de partida o concreto das coisas, sem nos deixar todavia ofuscar pelos nossos sentidos. Da forma à estrutura e desta, de novo, à forma, temos o caminho que conduz a uma fenomenologia do espaço e à sua construção teórica. A forma nos apresenta a coisa, o objeto geográfico; sua função atual nos leva ao processo que lhe deu origem; e este, o processo, nos conduz à totalidade social, a estrutura social que desencadeou e dá ao objeto uma vida social.

Desse modo, exorcisamos o grave risco do empiricismo, sem, todavia, deixar de partir do empírico. Chegamos, assim, à abstração sem partir de nossa razão individual, mas do concreto das coisas realmente existentes. E nesse caminhar sem fim, do lugar ao conjunto dos lugares, e da natureza como um todo a cada uma de suas frações, seguimos o curso do tempo e podemos, desse modo, interpretar, em seu justo valor atual, cada pedaço do espaço. Ficando só com a coisa, o objeto geográfico, em sua aparência imediata, damos somente conta de processos passados que exigiram aquela forma. Esta, porém, subsistiu para acolher novos processos e funções, emanações de uma sociedade ativa e em movimento, da qual advêm a significação e o valor atual de cada objeto isolado.

Do visível ao invisível

Não é aceitável, aliás, fazer como Grano (1929, p. 38) para quem, apesar da unidade dos fenômenos de ordem material e de ordem imaterial em um pedaço qualquer do espaço, a geografia pára no domínio do estritamente material, cabendo à sociologia encarregar-se das determinações sociais, culturais e políticas.

Não podemos nos contentar com representações concretas, diz J.W.Watson (in G. Taylor, 1951, p. 468-469), quando escreve que "o fator humano e alguma coisa a mais que as obras do homem. Inclui as ideologias tanto quanto as tecnologias, pois, freqüentemente a força não-material que é o dado verdadeiramente significativo na geografia de uma região, aquilo que lhe dá um caráter particular e a distingue de outras.

Mesmo que a paisagem não ofereça evidências concretas, seu interprete deverá, entretanto, saber o que faz dela algo de específico". Tambem H. Bobck e J. Schimitusen escreviam, em 1949, que a geografia não se limita à descrição e à determinação do visível. Esses autores não estão sozinhos. "Se o objetivo do geógrafo é a explicação da paisagem", diz H.C. Darby (1953), "está claro que ele não pode confiar somente no que vê. A cena visível não nos pode oferecer a soma total dos fatores que a afetam". E Pierre George, mais recentemente (1974, p. 9), sustenta o mesmo ponto de vista quando diz que "hoje, o invisível, muito mais que o visível, questiona a estabilidade das construções dos séculos passados".


Levando em conta cada pedaço do espaço em particular, muitos fatores de sua evolução não são perceptíveis imediatamente, nem diretamente. O papel de explicação cabe, freqüentemente, ao que não é imediatamente sensível, ou seja, aos fatores "invisíveis". As formas modernas de acumulação do capital, as relações sociais cada vez mais complexas e mundializadas e tantas outras realidades que não se podem perceber sem um esforço de abstração, tudo isso exige do pesquisador a necessidade dc buscar decifrar, e para isso encontrar instrumentos novos de análise para aplicá-los a uma realidade que, à primeira vista, e de fato, encobre uma parte considerável de suas determinações.

É evidente que tais determinações não poderão ser analisadas a partir de relações de causa e efeito, onde aparecem apenas os laços de imediatidade. Assim, tudo que não é contíguo, nem consecutivo, escapa à definição do universo bem mais vasto de acontecimentos que criam uma situação. Somente o contexto, quer dizer, a teia unitária, que é mais do que a síntesetotal das variáveis, pode fornecer os elementos de explicação que se buscam.

Ora, o contexto e sempre mutável. Por isso, a cada dia se inventam novas formas de analisar o passado e o presente. Cada explicação é sempre a crítica da explicação precedente. Como para os demais aspectos da totalidade, uma teoria do espaço que deseje ser válida deve levar em conta que a realidade se renova cotidianamente. Conseqüentemente, devemos nos apresentar com novas interpretações para fenômenos que aparentemente são os mesmos.

Ser e existência, sociedade e espaço

A evolução do espaço se faz pela inscrição da sociedade renovada na paisagem pre-existente. Ela se submete à "escravidão" das circunstâncias precedentes, assim como John Stuart Mill (A. Gerschenkron, 1952, p. 3) dissera em relação à História. O espaço não é um pano de fundo impassível e neutro. Assim, este não e apenas um reflexo da sociedade nem um lato social apenas, mas um condicionante condicionado, tal como as demais estruturas sociais. O espaço e uma estrutura social dotada de um dinamismo próprio e revestida de uma certa autonomia, na medida em que sua evolução se faz segundo leis que lhe são próprias. Existe uma dialética entre forma e conteúdo, que é responsável pela própria evolução do espaço.

Para Windelband (in Lukaes, 1960, p. 153), o ser é definido como "independência do conteúdo em relação à forma". Pode-se, todavia, falar de um conteúdo que seja independente da forma? Mas, cada forma não apenas contém uma fração do ser. Essa fração é, também, um conjunto particular de determinações (do ser). E é pela forma, isto é, pelo seu casamento com ela, que o ser se objetiva e se torna existência.

Para que o ser pudesse existir como um conteúdo independente da forma, seria necessário que ele fosse indiferente à totalidade das formas existentes. Se isso fosse possível, o ser seria uma unidade indivisível.

Para que ele se torne a unidade da diversidade, da qual já falava Heráclito e à qual, mais próximo de nós, Antônio Labriola e Emilio Sereni se referiram, o ser deve se metamorfosear em existência, mediante os processos impostos pelas suas próprias determinações e que, transformando a potência em ato, fazem que cada forma apareça como um indivíduo separado.

Uma fenomenologia do espaço?

Cabe aqui citar Kant, na Crítica da Razão Pura, quando se referindo à existência, afirmou: ".. . a totalidade e a pluralidade considerada como unidade". Esta "unidade" vem, nada mais, do fato dc que uma essência nova, ou renovada, tem vocação a tornar-se ato. Tal conteúdo - a essência - pode ser comparado a uma sociedade em marcha, em evolução, em movimento, isto é, no seu presente, ainda não encarnado todavia.

O conteúdo corporificado, já transformado em existência, é a sociedade já distribuída dentro das formas geográficas, a sociedade que se tornou espaço. A fenomenologia do espírito de Hegel seria assim a transmutação da sociedade total em espaço total. Este é um movimento permanente e por intermédio deste processo infinito é que a sociedade e espaço evoluem.

O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável do qual participam, de um lado, um certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro lado, a vida que os anima ou aquilo que lhes dá vida. Isto é a sociedade em movimento.

A sociedade em movimento pode, a um dado momento, dar-se como se fosse estática; as formas aparecem, então, como o continente dc uma parcela da sociedade, o instrumento de distribuição da sociedade no espaço. Por isso, o valor se distribui diferentemente no espaço e cada lugar tem um valor diferente. Mas, como a sociedade não é estática - mas sim dinâmica - a cada movimento da sociedade corresponde uma mudança de conteúdo das formas geográficas c uma mudança na distribuição do valor no espaço. Em resumo: as estruturas espaciais são, ao mesmo tempo, um estado - o que é provisório - e são o objeto de um movimento que modifica seu conteúdo - o que é permanente.

O movimento do espaço isto é, sua transformação, constitui, na realidade, uma modalidade de transformação de uma multiplicidade, quer dizer, da sociedade global, objeto real mas abstrato, em objetos concretos, fruto de sua própria determinação. De fato, as determinações não se podem fazer independentemente dos objetos sociais pré-existentes, aos quais se devem adaptar cada vez que elas - as determinações sociais - não podem criar novas formas nem renovar formas antigas.

A sociedade total, isto é, a formação social é, ao mesmo tempo o real-abstrato, essência ainda sem forma, e o real-concreto, a forma povoada por uma essência. A sociedade, pois, existe em uma situação de movimento perpetuo, que é o próprio movimento da História. Da mesma maneira, as formas-conteúdo, cuja totalidade constitui o espaço humano, influenciam a evolução social.

O movimento de ambas é contraditório e esta dialética os enriquece mutuamente.

A essência da sociedade se revivifica ela própria por esta contradição, sem a qual estaria desprovida de movimento dialético e revivifica, também, os objetos geográficos, através da renovação que lhes traz com as mutações de sua importância.

Assim, a cada nova evolução da totalidade social corresponde uma modificação paralela do espaço e de sua organização, e sua apreensão não exige que o geógrafo disponha de um conhecimento enciclopédico, como queria Estrabão, mas que se arme de um sistema de referência, a partir de um esforço filosófico fundado na compreensão unitária do mundo.

A idéia de uma metageografia, tal como W. Bunge (1962) sugeriu. E James Anderson (1973) chama a nossa atenção para os perigos dc uma ciência espacial elaborada sem uma filosofia adequada. Trata-se de descobrir o que está por detrás da aparência, isto é, a estrutura profunda das coisas, a partir de "um esforço sistemático e crítico tendente a captar a própria coisa, a sua estrutura oculta, e descobrir a forma de ser do que existe". (Karel Kosik, 1967, p. 30).e em um lugar determinados. O conhecimento do espaço, portanto, não poderá constituir-se sem uma base filosófica.

C. Ritter (1974, p. 65), um dos precursores da geografia teórica, já o reconhecia e o aconselhava, como forma de evitar uma interpretação parcial dos fatos.

As preocupações filosóficas se impõem também ao pensamento geográfico se considerarmos a ciência como uma área particular do saber precipuamente interessada pelo homem e pelo seu futuro, se, como cientistas e como cidadãos, desejamos contribuir para a implantação de uma ordem social mais justa que restaure as relações harmoniosas entre o homem e a Natureza

Bibliografia
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- Ritter, Carl, Introduction à la Géographie Générale Comparée (Essais sur les fondements d'une géographie scientifique), Berlin 1852. Annales Litteraires de l'Université de Besançon, Les Belles Lettres, Paris 1974
- Russell, Bertrand, ABC da Relatividade, Rio de Janeiro, 1974.
-Sartre, J.P., L'Etre et le Néant, Essai d'ontologie phénoménologique, (1943)Gallimard, Paris, 1972. Critique de la Raison Dialectique (précédé de Questions de Méthode). Tome I: Théorie des ensembles pratiques, NRF-Gallimard, Paris, 1960.
- Taylor, Griffith, editor, Geography in lhe Twentieth Century, Philosophical Library, New York, 1965 (1st edition: 1951). <
- Whitehead, A.N., Modes of Thoughl, MacMillan, New York, 1938.
- Wiltgenstein, Ludwing, Tractatus Logico-Philosophicus (1921) Routledge and Regan Paul, London, 1869; Introd. by B. Russell (i to xxii)

Fonte: SANTOS, Milton. O espaço geográfico como categoria filosófica.In: O espaço em questão. São Paulo, Marco Zero/AGB(Associação dos. Geógrafos Brasileiros), 1988.

Clássicos da Geografia: Elisée Reclus


Élisée Reclus
O homem é a natureza adquirindo consciência de si próprio
Elisée Reclus

Há alguns anos, após ter escrito as últimas linhas de uma vasta obra, a Nouvelle géographie universelle, eu expressava o desejo de um dia poder estudar o homem na sucessão das idades, da mesma maneira como o observara nas diversas regiões do globo, e estabelecer as conclusões sociológicas às quais fora conduzido. Concebi o plano de um novo livro, em que seriam explicitadas as condições do solo, do clima, de todos os ambientes nos quais aconteceram os fatos da história, em que se mostraria a harmonia dos homens e da Terra; em que as condutas dos povos se explicariam, da causa ao efeito, por sua consonância com a evolução do planeta. Tal livro é o que apresento ao leitor.

Logicamente, eu sabia de antemão que nenhuma pesquisa me faria descobrir essa lei de um progresso humano, cuja miragem sedutora se agita, sem cessar, em nosso horizonte, se afasta de nós e se dissipa, para voltar a se formar de novo. Surgidos como um ponto no infinito do espaço, nada conhecendo sobre nossas origens nem nossos destinos, ignorando até se pertencemos a uma única espécie animal ou se várias humanidades nasceram sucessivamente para se extinguir e ressurgir novamente, nós estaríamos pouco à vontade para formular regras de evolução ao desconhecido, para combater o nevoeiro, na esperança de lhe dar uma forma precisa e definitiva.

Não. Mas nessa avenida dos séculos que os achados dos arqueólogos prolongam constantemente naquilo que foi a noite do passado, podemos ao menos reconhecer o laço íntimo que liga a sucessão dos fatos humanos à ação das forças telúricas: é-nos permitido, seguir, no tempo, cada período da vida dos povos correspondentes à mudanças dos meios, observar a ação combinada da natureza e do próprio homem, reagindo sobre a Terra que o formou.

A emoção que se tem ao contemplar todas as paisagens do planeta na sua variedade sem fim e na harmonia que lhes dá a ação das forças étnicas, sempre em movimento, essa própria suavidade das coisas, nós as sentimos ao ver a procissão dos homens sob suas vestes de opulência ou de infortúnio, mas todos igualmente em estado de vibração harmônica com a Terra, que os carrega e os sustenta, o céu que os ilumina e os associa às energias do cosmo. E da mesma forma que a superfície das regiões nos apresenta, continuamente, sítios de beleza que admiramos com todo o poder do nosso ser, o decurso da História nos mostra, na sucessão dos fatos, cenas incríveis de grandeza, cujo estudo e conhecimento só nos enobrece. A geografia histórica concentra, em dramas incomparáveis, em realizações esplêndidas, tudo aquilo que a imaginação pode evocar.

Em nossa época de crise aguda, em que a sociedade se concentra tão profundamente abalada, em que o remoinho da evolução se torna tão rápido que o homem, tomado de vertigem,procura um novo ponto de apoio para a direção de sua vida, o estudo da História é tanto mais interessante quanto mais o seu domínio, cada vez mais amplo, oferece uma série de exemplos mais ricos e mais variados. A sucessão das idades se torna para nós uma grande escola, cujos ensinamentos se ordenam diante de nosso espírito e acabam até por se agruparem em leis fundamentais.

A primeira categoria de acontecimentos que o historiador constata nos mostra como, pelo efeito de um desigual desenvolvimento nos indivíduos e nas sociedades, todas as coletividades humanas, com exceção dos povos que permaneceram no naturismo primitivo, se desdobram, por assim dizer, em classes ou castas, não apenas diferentes, mas também opostas em interesses e tendências, até mesmo francamente inimigas em todos os períodos de crise. Tal é, sob mil formas o conjunto de fatos que se observa em toas as regiões do universo, com a infinita diversidade que determinam os sítios, os climas e o dédalo cada vez mais intricado dos acontecimentos.

O segundo fato coletivo, conseqüência necessária do desdobramento dos corpos sociais, é que o equilíbrio rompido de indivíduo a indivíduo, de classe a classe, oscila constantemente em torno de seu eixo de repouso: a violação da justiça sempre clama vingança. Daí, incessantes oscilações. Aqueles que comandam procuram permanecer como chefes, enquanto os que servem fazem esforços para reconquistar a liberdade e em seguida, arrastados pela energia de seu élan, tentam reconstituir o poder em proveito próprio. Assim se sucedem guerras civis, complicadas com guerras estrangeiras, massacres e destruições, numa confusão contínua, finalizando diversamente, de acordo com o impulso respectivo dos elementos em luta. Ou então os oprimidos se submetem, tendo esgotado sua força de resistência: morrem lentamente e se extinguem, não tendo mais a iniciativa que faz a vida; ou então é a reivindicação dos homens livres que os conduz, e no caos dos acontecimentos pode-se discernir verdadeiras revoluções, isto é mudanças de regime político, econômico e social, devidas à compreensão mais clara das condições do meio e a energia das iniciativas individuais.

O terceiro grupo de fatos, relativos ao estudo do homem em todas as idades e regiões, no confirma que qualquer evolução na existência dos povos só pode ser criada pelo esforço individual. É na pessoa humana, elemento primário da sociedade, que é preciso procurar o choque impulsivo do meio, destinado a se traduzir em ações voluntárias para difundir as idéias e participar nas obras que modificarão o feitio das nações. O equilíbrio das sociedades só é instável por causa do distúrbio imposto aos indivíduos em sua franca expansão. A sociedade livre se estabelece pela liberdade alcançada, no seu desenvolvimento completo, a cada pessoa humana, primeira célula fundamental, que se agrega em seguida e se associa, como lhe agrada, às outras células da mutável humanidade. É na proporção direta dessa liberdade e desse desenvolvimento inicial do indivíduo que as sociedades ganham em valor e nobreza: é do homem que nasce a vontade criadora que constrói e reconstrói o mundo.

A “luta de classes”, a procura do equilíbrio e da decisão soberana do indivíduo, tais são as três ordens de fatos que nos revela o estudo da geografia social e quem no caos das coisas, se mostram bastante constantes para que se possa dar-lhes o nome de “leis”. Já é muito conhecê-las e poder dirigir, segundo elas, sua própria conduta e sua parte de ação na gerência comum da sociedade , em harmonia com as influências do meio, conhecidas e analisadas a seguir. É a observação da Terra que nos explica os acontecimentos da História, e esta nos leva, por sua vez, a um estudo mais aprofundado do planeta, a uma solidariedade mais consciente do nosso indivíduo, ao mesmo tempo tão pequeno e tão grande, como o imenso universo.

Fonte: ANDRADE, Manuel Correia de (org). Elisée Reclus. Geografia, coleção Grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1985.