EM DEFESA DOS JOVENS E DAS JUVENTUDES
EM DEFESA DOS JOVENS E DAS JUVENTUDES
Ontem, dia 05 de setembro de 2012, foi vinculada no MGTV a reportagem
“Ocorrências envolvendo jovens são cada vez mais frequentes em Juiz de
Fora, MG” (http://g1.globo.com/videos/minas-gerais/triangulo-mineiro/mgtv-2edicao/t/zona-da-mata-e-vertentes/v/ocorrencias-envolvendo-jovens-sao-cada-vez-mais-frequentes-em-juiz-de-fora-mg/2124992/). Cheia de preconceitos, senso comum e ódio em relação aos jovens.
A violência é atribuída única e exclusivamente ao jovem e a sua índole
naturalmente violenta. Ou então se culpa a família. Diz o PM: “quando se
tem uma família bem estruturada, com educação, com imposição de
limites, com imposição de respeito às autoridades e a comunidade de uma
forma geral, isso tende a ser evitado”. E completa sentenciando e ao
mesmo tempo apontando o culpado: “Então, a questão familiar é um dos
problemas maiores”. A solução? Os programas da PM que ensinam a
importância de estar longe das drogas e, principalmente, o respeito às
autoridades.
Posição também defendida pelo Secretário Geral da
OAB que nos ensina: “concordamos que o problema vem da família, (…) mas
precisamos também de uma polícia militar mais ostensiva. (…) e de uma
polícia civil com mais policiamentos, para que possa investigar esses
crimes, esses delitos”. E completa: “porque o problema é da família, mas
é também do tráfico de drogas”.
E a repórter dá sua opinião de
autoridade. “A família também é importante”. Claro, lembra o secretário
da OAB: “Precisamos mexer com o pessoal da igreja católica, com os
pastores, os evangélicos (…)”.
As autoridades nos apresentam os
culpados: a família, o tráfico e o próprio jovem. E também nos
apresentam a solução: ensinar aos jovens a rezar e o respeito à
autoridade, além do policiamento ostensivo, de programas para retirarem
os jovens das ruas, da punição exemplar para amedrontar os outros
“menores”.
Infelizmente não posso dizer que tais falas tenham
me surpreendido (embora ainda me indignem). Não é de hoje que tal
discurso vem sendo reproduzido e difundido. Frequentemente são os jovens
pensados como atores sem identidades, vontades, desejos e ações
próprias. Nessa interpretação, são definidos pela ausência e pelo que
não seriam. Sujeitos que precisam de constante vigilância, controle e
tutela para que não se pervertam ou não se percam no mundo das drogas ou
do crime.
Discurso que esquece sua real inserção
socioeconômica. Sujeitos que experimentam um mundo cada vez mais marcado
pela falta de horizontes profissionais, pelas altas taxas de
desemprego, pela falta de equipamentos socioculturais, de acesso a uma
educação de qualidade. Enfim, restrições materiais e simbólicas vividas
cotidianamente pelos jovens pobres das cidades.
Não é possível
falar dos jovens urbanos sem pensar nas suas condições de vida, suas
atuais e futuras oportunidades e nos sonhos passíveis de se realizarem
nessa cidade. Dividindo-se entre a necessidade de estudar e trabalhar,
em querer ter lazer e não ter acesso a ele, de querer acompanhar a
velocidade do mundo digital e não ter acesso a um computador, esse
jovens vivem cotidianamente a cidade sem a ela pertencerem de fato.
A todas essas dificuldades se acresce uma posição cada vez mais
intolerante e julgadora dos comportamentos e diferenças desses jovens,
que são sistematicamente associados à ideia de violência e delinquência.
São os jovens, especialmente quando pobres e negros e da periferia, os
sujeitos perigosos. Sua reunião pelas ruas e seu movimento pela cidade,
seja na busca de lazer ou mesmo na procura de emprego, é visto como
potencialmente perigosa. A ocupação da cidade pelos jovens só é tolerada
dentro dos limites da ordem imposta pelos adultos, o que significa de
forma disciplinada, preferencialmente sozinhos e restrita a determinados
bairros.
Sua invisibilidade manifesta à ausência de direitos
corporificados por esses sujeitos. Presos em sua condição de
desigualdade eles produzem e reproduzem sua condição de seres desiguais
socioespacialmente.
“Analises” como as divulgadas por essa
matéria desconsideram, por exemplo, que morar em um bairro periférico
significa vivenciar de forma intensa as refrações da questão social
geradas pelo capitalismo contemporâneo e que a dinâmica socioespacial
interfere nas experiências socioculturais e nas interações que os jovens
realizam com o outro.
Presos em seus bairros de origem,
confinados no acesso aos bens materiais e simbólicos presentes na
cidade, imersos em situações precárias de trabalho, alvo de políticas de
contenção, vítimas da violência, os jovens pobres de nossas cidades tem
sua existência cada vez mais presentificada.
Reportagens como
essas, pretensamente informativas, apenas acirram o ódio e o preconceito
sobre esses jovens, naturalizando sua condição desigual, negando ou
limitando a estes jovens seu presente e seu futuro.
O desafio
está em reconhece-los como sujeitos cujo movimento descortina
estratégias que pretendem superar os limites impostos a eles e que
afirmam sua visibilidade e sua presença na cidade como seres políticos. É
dessa forma, portanto, que se crê ser possível pensar a juventude e a
cidade como categorias políticas superando as leituras que tratam a
primeira como abstração e a segunda como objeto.
Obrigando-nos a
pensar a dimensão política da cidade, a cidade como polis, como
dimensão espacial da cidadania. E os jovens como sujeitos. O que,
evidentemente, nos força a pensar como a cidade pode ser espaço de
convivência, de troca, de celebração a diferença. Espaço material e
simbólico para e na construção de estratégias que projetam um presente e
um futuro possível a esses jovens.
É mais do que hora de
reconhecermos o quinhão de responsabilidade que temos com esses jovens.
Somente assim, podemos nos reconhecer como sendo de fato, uma sociedade.
Juiz de Fora, 06 de setembro de 2012
Clarice Cassab
Profa. do curso de Geografia da UFJF
Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Geografia, Espaço e Ação
Um comentário:
Parabéns pelo texto, cheio de juventude e energia! Também no Amazonas, os jovens sofrem com a falta de políticas públicas e o devido respeito pela sua vontade de se expressar. No Amazonas, há mais políticas para os idosos que para os jovens, não que uns mereçam mais que os outros, mas que ao que parece, o Estado e a própia sociedade legaram ao jovem o "espaço deprimente das noticias policiais". Invisíveis nas cidades, desvelados nas estatísticas da violência. Saudações Geográficas!
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